segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

O medo governa


* Por Frei Betto


Neste mundo desprovido de utopia, senso histórico e confiança na representatividade política, o medo ocupa cada vez mais espaço. As forças conservadoras nos incutem tal insegurança que, como cordeiros a serem tosquiados, aceitamos trocar a liberdade pela segurança. Deixamos de melhorar a nossa qualidade de vida ou fazer uma viagem de lazer para manter intocado o dinheiro no banco.

Temos medo do desemprego, da inflação, da recessão. A toda hora soa o alarme: cuidado! A fera está solta!

Nem sempre a identificamos com nitidez, mas, como manada, disparamos em corrida para nos afastar o mais possível do alcance da fera.

Quem é a fera? É o “outro”, o imigrante que vem roubar nossos empregos. É o estrangeiro que ameaça subverter o nosso estilo de vida. É o muçulmano que, por baixo da túnica, carrega um cinturão de dinamites. É o refugiado que obriga o nosso governo a desviar recursos para socorrê-los. É o homossexual encarado como promíscuo. É quem pensa diferente e cujas ideias nos parecem conter material explosivo...

Assim o medo se dissemina pelo país. Penetra em nossas casas. Impregna-nos a mente, os olho, os ouvidos, o olfato e o paladar. Medo do alimento que engorda, do tabaco que envenena, da bebida que embriaga. Medo de tudo e de todos. Esquecemos o que a sabedoria recomenda: que te­nhamos medo do medo.

Cresce a síndrome do medo. Isso vale para Rio, São Paulo, Belo Horizonte ou qualquer outra grande capital. Medo de assalto, o que induz o cidadão a tornar-se prisioneiro de sua própria casa, trancada com mil chaves, dotada de alarme de segurança, e quebrada, no visual, pelas grades que cobrem as janelas.

O medo viaja a bordo do desconhecido. O porteiro do prédio deve exigir identificação, o nome é anunciado por interfone, o visitante conferido pelo olho mágico e, por fim, as fechaduras, de roliças chaves dentadas, abertas uma a uma.

Doença da moda é a agorafobia - medo de lugares públicos. Teme-se que a praça esconda ladrões atrás das árvores, e crianças pedintes se transformem em perigosos assaltantes ao se aproximar do carro. Aumenta o número de pessoas que preferem não sair à noite, jamais usam joias e entram em pânico se alguém se dirige a elas para perguntar onde fica tal avenida. O homem é, enfim, o lobo do homem.

De onde vem tanto medo? Da sociedade que nos abriga, marcada por desigualdade e preconceitos. Se não somos iguais em direitos e nas mínimas condições de vida, por que se espantar com reações diferentes? Como exigir polidez de um homem que sente na pele a discriminação racial e, na pobreza, a social? Como esperar um sorriso de uma criança que, no barraco em que mora, vê o pai desempregado descarregar a bebedeira na surra que dá na mu­lher? A discriminação humilha, e a humilhação gera ressentimento, amargura e revolta.

O contrário do medo não é a coragem, é a fé. Não apenas religiosa, mas cívica, política, utópica. Acreditar que o futuro pode ser melhor e diferente. E começar, hoje, a semear os bons frutos a serem colhidos no futuro.

* Escritor e religioso dominicano. Recebeu vários prêmios por sua atuação em prol dos direitos humanos e a favor dos movimentos populares. Foi assessor especial da Presidência da República entre 2003 e 2004. É autor de 60 livros, editados no Brasil e no Exterior, entre os quais "Batismo de Sangue", e "A Mosca Azul".



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