Gênios e néscios
“A
estupidez é muito mais fascinante que a inteligência. A inteligência tem os
seus limites, a estupidez não”. Esta constatação, meio que mal-humorada,
contudo verossímil (desconfio que verdadeira), é do consagrado diretor de
cinema francês, Claude Chabrol. Peço licença ao paciente leitor para lembrar
(aos que não o conhecem) e informar (obviamente aos que sabem de quem se
trata), que o referido cineasta, com vitoriosa carreira de mais de 40 anos,
tem, em seu volumoso currículo, cerca de 50 filmes.
É
considerado, pelos cinéfilos, o “papa da nouvelle vague”. Entre suas tantas
obras cinematográficas que dirigiu, podemos citar, meio que aleatoriamente: “Le
beau Serge” (sua primeira produção, de 1958), “Os primos” e “A doublé tour”
(1959); “Les bonnes femmes’ (1960); “Les biches” (1968); “La femme infideli” e
“Le Boucher” (1969); “Que la bête meure” (1970); “Madame Bovary” (1991); “A
dama de honra” (2004) e vai por aí afora.
Mas,
voltemos ao tema que sempre me fascinou, sobre gênios e néscios que, aliás, foi
sugerido pelo leitor Renato Manjaterra, e que serve como pretexto para este
nosso descontraído bate-papo (na verdade, monólogo, pois a palavra agora está
comigo; mas que pode se constituir em diálogo, e até em debate, pela
interatividade propiciada pela internet). Fala-se, amiúde, em “talento”,
entendido pela maioria como aptidão inata para determinadas atividades. Mas,
pergunto: essa suposta facilidade para escrever – ou para compor um poema, ou
para jogar futebol, ou para rodar um filme, ou para criar uma sinfonia, ou para
fazer um samba de qualidade – é garantia de sucesso a quem a tem? Depende!
Temos que admitir, porém, que se trata de uma poderosa arma. Contudo, requer,
para funcionar, outras tantas virtudes associadas, como sensibilidade,
bom-senso, conhecimento, inteligência etc., e, sobretudo, paciência. Muita
paciência.
Nesse
ponto, concordo plenamente com Gustave Flaubert (como se vê, nem nessa
conclusão sou original). O talentoso autor de “Madame Bovary” (romance que
ganhou instigante versão cinematográfica, dirigida por Claude Chabrol)
escreveu, a propósito: “Talento é paciência sem fim”. E não é?! Portanto,
ninguém, por mais genial que seja, produz nada que preste contando, apenas, com
certa aptidão para isso. As obras que realmente valem a pena requerem, reitero,
entre tantas e tantas outras virtudes, sensibilidade, bom-senso, conhecimento,
inteligência etc. e... paciência, claro!
Outro
conceito que causa controvérsia é o de sabedoria. Há quem confunda essa virtude
com conhecimento, com cultura, com informação etc. Claro que se ela vier
associada a tudo isso, será bem melhor. Haverá de beirar a genialidade. Mas não
depende de nada disso. Conheço muitos analfabetos, incapazes de desenhar um “o”
e que, no entanto, têm uma sabedoria capaz de causar inveja a Salomão. Em
contrapartida, também convivo com pessoas cuja parede está forrada de diplomas,
que têm bibliotecas volumosas e muitíssima leitura, que gozam de projeção
social e são tidas como “intelectuais” que, no entanto, não enxergam um palmo à
frente do nariz. Certamente, o leitor também conhece gente assim.
Aliás,
o escritor polonês Henryk Sienkiewicz, autor do best-seller “Quo Vadis”,
ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1905, escreveu o seguinte, a esse
respeito, em seu romance (pouco-conhecido) “Em vão”: “Sábio!...Sábio!...Sábio:
palavra sonora e formosa! Mas...de que nos servirá o ser sábio, se nem sequer
sabemos apertar o nó, se descuidamos da educação de nossos filhos, se deixamos
nossa mulher sem amparo, se abandonamos nossos pais?” Isso, para mim, está
longe de ser sabedoria.
Finalmente, resta abordar mais um
conceito, amiúde citado, mas pouco entendido: o da genialidade. Seria a
exacerbação da sabedoria. Gênio, pelo menos no entendimento comum, é aquele com
capacidade (intelectual, manual, ou ambas, não importa) fora do comum.
Convenhamos, escasseiam, no mundo, pessoas com essas características. E sempre
foi assim.
A esse propósito, recorro, novamente, a
Sienkiewicz, que coloca na boca de um personagem, no mencionado romance “Em vão”,
a seguinte observação: “No cérebro humano, o curso das idéias pode tomar
direções; numa, as idéias vão, certamente, desde o centro à periferia; noutros,
desde a periferia convergem o centro. Os primeiros tomam um objeto como matéria
de estudo, dão-lhe vida e, com o fio das experiências, o fazem remontar à sua
fonte originária. São os gênios criadores; os segundos se agarram aos objetos e
os levam a suas próprias fontes pessoais, unificando-se, absorvendo-as,
dividindo-as e classificando-as; estes são os homens de ciência. Os primeiros,
criam; os segundos, escrutam e observam. Há entre essas duas direções uma
diferença análoga à que existe entre a avareza e a prodigalidade, entre a inspiração e a expiração”.
Pelo exposto, até é possível entender a
razão de tanta gente optar pela mediocridade (posto que inconscientemente),
quando não pela burrice explícita. É muito mais fácil! Não exige nenhum
esforço! Basta deixar as coisas acontecerem, sem interferir, e pronto. Tem como
principal característica a omissão. Ser néscio, convenhamos, não exige nada,
nada de especial. Não requer, por exemplo, talento e as virtudes a ele
associadas (sensibilidade, bom-senso, conhecimento, inteligência etc. e...
claro, paciência, muita paciência).
Chabrol tem, portanto, toda a razão do mundo em seu mal-humorado
desabafo. De fato, “a estupidez não tem limites”.
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Tia Juracy dizia que todo mundo estava satisfeito com a inteligência que tinha, pois não via ninguém reclamar.
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