Faca de dois gumes
A imaginação, bem-dirigida, tende a
operar maravilhas e nos levar a grandes conquistas, que, aparentemente, eram
impossíveis. Todavia, em caso contrário, gera monstros terríveis que nos
aterrorizam e causam sofrimentos inúteis. A auto-sugestão, por exemplo, é farta
fonte de doenças.
Se uma pessoa cismar que está acometida
de determinado mal, mesmo que todos os exames comprovem que está absolutamente
sadia, sentirá, na carne, os sintomas dessa moléstia imaginária. Daí os
chamados placebos (comprimidos de farinha e açúcar) terem tanta saída, sem que
os consumidores sequer suspeitem que não estão tomando remédio coisíssima
nenhuma. Afinal, seus males são imaginários. Como a melhor forma de combater
incêndios é ateando fogo em sentido contrário... Sentem-se aliviados. Mas nunca
curados. Seu problema está na mente, não no corpo. Sofrem de um mal crônico,
classificado como “hipocondria”.
Quem tem mania de doença sempre inventa
alguma. E não se trata, pelo menos conscientemente, de fingimento, de mero
expediente para chamar a atenção dos que cercam essas pessoas. Em nível
inconsciente, ou subconsciente, o processo até que é esse mesmo. Ou seja, é um
condicionamento. O cérebro constata que todas as vezes que esses doentes imaginários
se queixam de alguma dor ou mal-estar, logo os que gostam deles (ou são
responsáveis por seus cuidados) acodem, em socorro.
Em casos extremos, uma pessoa que se
imagine doente pode, até, morrer em decorrência desse mal, que existe só em sua
imaginação. São casos extremos, claro, e raros, mas que já foram registrados. E
o que colocar no atestado de óbito de um indivíduo que morre por essa causa?
“Morto por imaginação”? Pode até ser! Pelo menos seria a constatação mais
adequada, posto que verdadeira. Mas médico algum coloca isso num atestado de
óbito. Por isso, temos que ter extremo cuidado com o que imaginamos. E fugir
das auto-sugestões negativas, utilizando, como antídotos, o otimismo, o
bom-humor e o pensamento positivo.
Mas a imaginação não precisa,
necessariamente, ser a vilã da nossa vida. Explorada adequadamente, pode nos
levar (e leva), como ressaltei, a grandes conquistas. Ela é o grande trunfo,
por exemplo, dos artistas, notadamente dos poetas e dos escritores de ficção.
Já ganhei muito dinheiro com ela (e
espero ganhar muito mais), criando personagens e enredos que, de fato, nunca
existiram. Ou seja, que só tiveram vida na minha cabeça, na fertilidade da
minha imaginação. Claro que, para lhes dar verossimilhança, os “pintei” com ligeira
camada de verniz de realidade, o que, convenhamos, não é tarefa tão difícil
assim. Ou seja, acrescentei-lhes características de pessoas que conheci e de
fatos que, se não vivenciei, tomei, de alguma maneira, conhecimento.
A imaginação, dependendo das circunstâncias,
pode vir a ser, até mesmo, uma “verdade futura”. Como? O eminente psicanalista,
Carl Gustav Jung, afirmou a respeito (com o que concordo plenamente, em vista
de experiências que tive a propósito): “Há coisas que ainda não são
verdadeiras, que talvez não tenham o direito de ser verdadeiras, mas que o
poderão ser amanhã”.
Sobre o direcionamento da imaginação
para a criação (sobretudo artística), peço licença ao paciente leitor para
citar este trecho da crônica “Apologia da dor de dente”, de Hélio Pellegrino,
publicada na Folha de S. Paulo, em 26 de junho de 1983: “O paranóico não tem
desejo de ser Napoleão, ele o é, com as extravagantes conseqüências da praxe.
Seja como for, qualquer um de nós, na posse, uso e gozo da ordem da linguagem,
pode criar um mundo à imagem e semelhança das mais desvairadas ambições e
fantasias”. E freqüentemente os criamos, mesmo que relutemos, ou nos neguemos a
admitir.
E Hélio Pellegrino prossegue: “A
representação significa, de uma parte, minha possibilidade racional e consciente
de operar sobre o mundo, a partir de uma avaliação que o reverencie em sua
concretude e realidade. Mas, de outra parte, ela é também a minha possibilidade
mais radical de alienação e de extravio. Posso, através dela, dar as costas ao
real, desfigurá-lo, desrespeitá-lo, traí-lo – negá-lo”. E eu acrescentaria: mas
negá-lo com arte.
Quanto aos que cultivam doenças
imaginárias, dou um conselho, sem cobrar nada (já fui classificado como
escritor de auto-ajuda, o que me provocou sonoras gargalhadas, pelo ridículo da
classificação): não leiam livros de medicina. Neles, vocês encontrarão,
certamente, os sintomas de todas as doenças já descobertas pela ciência. E, sem
que sequer se dêem conta, sentirão uma variedade de achaques e dores sem-fim.
A imaginação os trairá e fará conhecer
o inferno e todas suas múltiplas penas e nuances. O jornalista italiano Dino
Segre (que assinava seus textos com o pseudônimo Pitigrilli) corrobora meu
conselho, ao escrever: “Os livros de medicina nas mãos dos enfermos fazem a
temperatura subir vários graus e suscitam sintomas inexistentes”. E como
suscitam! Vale, pois, a recomendação: “muito cuidado com o que você imagina!”.
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Um sintoma desperta o medo e o medo amplia o sintoma. A sensação de doença não surge do nada e o efeito placebo é eficaz em doenças verdadeiras. Para a somatização é preciso muito mais do que falsos remédios. O pior mesmo é quando a pessoa tem várias doenças verdadeiras e muito medo. Nesse caso ocorre um mergulho no inferno. Por outro lado, há os que não acreditam em médicos e nem em doenças, e morrem de infarto fulminante tomando remédios para gases. A mente humana é bem mais complexa do que parece.
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