terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Minha trajetória no tempo



As mudanças, quaisquer que sejam, assustam boa parte das pessoas que não se dão conta que elas representam a dinâmica da própria vida. Tudo muda permanentemente no universo, que não é estático, mas se move sem parar. Galáxias, constelações, estrelas, planetas e outros corpos celestes estão em contínuo movimento e constante transformação. Uns nascem, outros morrem, outros tantos se transformam, mas nada permanece como é para sempre. O mesmo vale para o âmago da matéria: os átomos e seus componentes. E o dos seres vivos: as células e as substâncias que as constituem. Mudar, portanto, significa, acima de tudo, viver”.

Foi assim que iniciei determinada crônica, cujo título e data de publicação não me recordo. Mas em 6 de outubro de 2016, resumi esse texto e publiquei-o no Facebook em forma de reflexão. E acrescentei na sequência: “Há mudanças e mudanças, é verdade. Consideramos que são bem vindas quando representam a saída de alguma situação angustiante em que estejamos envolvidos ou a que nos submeteram. Quando ocorre o contrário, ou seja, quando significam que entramos em alguma enrascada, são uma tragédia. Quando são uma evolução, são bem vindas. Mas parte considerável delas representa colapso, decadência e destruição. Por isso, nosso empenho deve ser o de interferirmos nas mudanças e direcioná-las para o lado bom”.

Mudar eu mudei, portanto, e bastante, nos últimos quase 50 anos (49, para ser exato), notadamente no aspecto físico. Envelheci, como seria de se esperar, pois o tempo é implacável em produzir desgaste em tudo e em todos. Meus olhos perderam brilho, os cabelos ficaram mais ralos e começam a branquear, sobretudo nas têmporas, o porte encurvou, os passos são agora muito mais lentos e vai por aí afora.  Quanto ao intelecto, todavia, curiosamente, as mudanças, embora tenham também ocorrido, não foram tantas como seria de se esperar nestas quase cinco décadas. Amadureci, mentalmente, adquirindo experiência e muito mais cultura, dada a infinidade de livros que li neste quase meio século, dados os cursos que fiz e em decorrência das obras que produzi. Minhas convicções mais arraigadas, todavia, permaneceram quase intactas, com ligeiras alterações, aqui e ali, mas com nada de tão profundo.

Reorganizando meus arquivos, na última semana de 2016, “topei” com matéria de página inteira, publicada em 17 de dezembro de 1967, pelo jornal Correio Popular, aqui de Campinas, traçando o meu perfil, e constatei que mudei relativamente pouco no que diz respeito às minhas idéias, sonhos e objetivos, muitos dos quais alcançados e outro tanto que não consegui concretizar. A referida reportagem – de autoria de uma das mais competentes e brilhantes jornalistas que Campinas já teve, a saudosa, magnífica repórter, cronista e professora (com mais de cinqüenta anos de magistério), Célia Siqueira Farjallat – teve como pretexto a divulgação do concurso “Minha crônica de Natal”, promovido por este tradicionalíssimo diário campineiro. Como revelei em comentário anterior, não venci essa competição: fiquei em quinto lugar.

Todavia, meu histórico de vida na ocasião era tal, que levou a direção do Correio a pautar matéria enfocando a minha pessoa. Ao longo dos últimos cinqüenta anos, muita gente escreveu sobre mim. Todavia, nenhum desses textos foi tão objetivo, profundo e verdadeiro como a citada reportagem. Pudera! Quem a escreveu foi, sem dúvida, modelo de profissional de imprensa não somente para Campinas, mas, sem exagero, para o mundo. “Dona Célia”, forma carinhosa como nós tratávamos essa maravilhosa mulher, assim me descreveu naquele final do já longínquo final de 1967:   

“Vinte e quatro anos, alto e forte, fisionomia agradável e expressiva, iluminada por claros olhos azuis, Pedro João Bondaczuk é gaúcho de Horizontina e filho de ucranianos. Seus pais chamam-se Ananii e Catarina Bondaczuk”. Nesse aspecto, reitero, mudei demais. O tempo não poupa ninguém e não seria a mim que iria poupar. Mais adiante, “Dona Célia” prosseguiu: “Pedro João fez o curso ginasial no Colégio Adventista e o Científico no Ateneu-Cesário. Pretende ser médico e especializar-se em cardiologia. Vai tentar o vestibular em 68, e espera fazer um curso muito bom, adquirindo base para seus futuros trabalhos de pesquisa”. Aí houve, também, muita mudança. Fui aprovado no vestibular de 1968, mas por razões que prefiro não comentar, tive que abrir mão do curso de Medicina. Anos depois, cursei Direito, contudo nunca tive intenção de advogar. Fiz esse curso para ampliar minha cultura geral, notadamente a humanística.

E a matéria prossegue, em outro trecho: “Personalidade harmoniosa, enérgica e feliz, o rapaz é um apaixonado leitor, um insaciável devorador de obras literárias e científicas. O poeta Cruz e Souza é seu preferido, por ser simbolista; os outros a quem admira são Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet, Cecília Meirelles; dos prosadores, destaca: Mário de Andrade, Guimarães Rosa, Érico Veríssimo e mais os russos Tolstói, Dostoievsky e Gorki. Lendo francês correntemente, é admirador de Verlaine, Rimbaud e Mauriac. Dos escritores de língua inglesa, prefere Edgar Alan Poe, Hemingway e Faulkner”. Nessa relação faltam muitos escritores, principalmente meu “guru” literário, Jorge Luís Borges, que então eu ainda não havia lido. A eles poderia acrescentar, sem nenhum exagero, pelo menos uns cinco mil autores, nacionais e estrangeiros, entre os quais, sem dúvida, Machado de Assis, Victor Hugo, William Shakespeare, Mário Quintana, Gabriel Garcia Marquez, Miguel Torga, Fernando Pessoa e tantos e tantos e tantos outros. Mas minha admiração pelos citados nunca arrefeceu, pelo contrário, aumentou exponencialmente.

“Dona Célia” escreveu mais a meu respeito: “Pedro João trabalha para se manter desde os dezessete anos. Atualmente, é contabilista nos escritórios da Rhodia, na Fazenda São Francisco, mas reside em Barão Geraldo, em uma "república" de operários conhecida pela impecável honorabilidade. Seus "hobbies", além da leitura e do estudo, são o futebol e a música erudita (Chopin e Beethoven). Com discernimento superior à idade, Pedro João vê nas guerras e conflitos armados o pior dos meios de se resolverem desentendimentos. Sente que para ser feliz, a humanidade deveria pôr fim às discriminações raciais e culturais, aos preconceitos geradores de ódios e incompreensões. Considera a igualdade pretendida por certas ideologias, uma utopia e uma injustiça. Os mais capacitados, por seus próprios méritos, vencem todos os tropeços e colocam-se em situação de destaque”. Nessa época, como expliquei em outro texto, eu estava “dando um tempo” no jornalismo, que acabei abraçando, tempos depois, com paixão, como missão de vida e, portanto, muito mais do que apenas profissão.

Quanto aos hobbies e idéias, o leitor que me acompanha com assiduidade é testemunha que mudaram pouquíssimo, quase nada. E muito menos as figuras humanas que sempre tomei como modelos de vida, como “Dona Célia” observou: “O nosso Poeta de Alma Azul admira dois seres humanos, dois heróis, cujos atributos lhe têm servido de estímulo: Abraham Lincoln e Hellen Keller”. Apenas acrescentaria o exemplo de abnegação e desprendimento de Madre Teresa de Calcutá, que segue sendo uma espécie de referencial para mim. Finalmente, destaco Este trecho que encerrou a referida reportagem: “Poeta com várias produções já divulgadas pela imprensa, Pedro João tem, também, alguma veia satírica. Muito interessante é este seu ‘Soneto do Futuro’:

"Alô, alô Marte, Terra chamando...
Meu "planamóvel" de novo quebrou...
O meu robô não está funcionando...
Na noite de ontem, na Lua geou...

Meu capacete pensador está torto...
Chamo Marte...Não responde! Ocupado!
Estou a dez segundos no "cosmoporto"!
Meu foguete está de novo atrasado!

Notem, senhores, o que vejo agora!
Um poeta!! Agitador, babilônico!
...E meu foguete, como se demora!

Almoço. Hum!! Que bom o novo tônico!
Compor sonetos...Vejam esta agora!
Prá quê, se tenho cérebro eletrônico!!!

Mudei? Sim, mudei! Afinal, somos, todos, seres múltiplos, mutantes, diferentes hoje do que éramos ontem, e não somente no aspecto físico, dado o envelhecimento, mas, sobretudo, no plano mental. De cada pessoa com que nos relacionamos, absorvemos alguma coisa: idéias, hábitos, comportamentos, não importa o quê. E quanto maior for o nosso círculo de relacionamentos, mais mudamos, mais diferentes nos tornamos, sem que sequer nos apercebamos dessas mudanças. Criamos, a cada momento, novo hábito, que se transforma e ganha acréscimos ou decréscimos à medida que o tempo passa e que aprendemos novas coisas com as pessoas com as quais nos relacionamos. Daí ser rigorosamente exata a afirmação de que somos múltiplos. O dramaturgo Samuel Becket afirma, através de um dos personagens de sua peça “Esperando Godot”: “Respirar é um hábito. A vida é um hábito. Ou melhor, a vida é uma sucessão de hábitos, porque o indivíduo é uma sucessão de indivíduos”. E não é?!?!

Boa leitura!


O Editor.

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Um comentário:

  1. Eu me tornei médica aos 24 anos, mas, fazendo a comparação de como eu era na ocasião, com você na mesma idade, vejo que tinha maior maturidade e uma visão do mundo mais organizada e abrangente do que a minha.

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