segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Psicopatia


* Por Daniel Chutorianscy



Vou começar cometendo uma heresia, tentando explicar a psicopatia – um quadro psiquiátrico – de uma forma metafórica "entre aspas". PSICOPATIA é um "defeito" na personalidade, o indivíduo não sente a menor culpa do seu ato, sente-se vitorioso por executá-lo. Lesa, engana, agride, corrompe, tortura, mata, como se fosse a coisa mais natural e tranquila. Logo em seguida, vai tomar um "cafezinho na esquina", como se nada houvesse acontecido, e já está pronto para outra.

Pecado, culpa, cobrança: o triângulo que agrega princípios religiosos tanto ocidentais como orientais. Guerras são grandes inutilidades. Guerras são enormes psicopatias e sem aspas. "Cordata vertebrata, mammalia, vulgar, vulgaris, vulgaris", nós, os seres humanos, temos enorme predileção por psicopatias; nunca houve um só dia neste planeta em que não houvesse uma guerra em algum lugar.

Mecanismos mais utilizados para remover a culpa: o dever, a defesa, a honra, a pátria, a família, a propriedade, a vingança, o prazer, o se sentir poderoso e superior. Tanto do lado de cá, como do lado de lá, uma divindade protetora no alto do estandarte.

Provocamos guerras, cultivamos guerras, pelo psicopático prazer de dominar o outro, suas riquezas culturais e materiais. Escondemos nossas impotências pelas onipotências das armas. Somos iguais em nossas diferenças: agressivos, hipócritas, fraudulentos, dissimulados, plenos de verdades oficiais. Quanto prazer subjugar, escravizar o que julgamos inferiores! Quanto mais desenvolvida a cultura, maior a coerção e a sutileza da tortura. Seria esse o "mal estar da civilização?"

Inútil ficar mais citando exemplos. Tanto aqui como acolá, o sangue, o desespero, a dor alimentam nossa psicopatia de cada dia, somos cúmplices, protagonistas e platéia, em um processo de retro-alimentação. Essa é a natureza humana, não nos cabe julgá-la, não é boa ou má – julgamentos morais, apenas é, é e ponto, com seus traços psicopáticos, pequenas vitórias, grandes torturas, em nome de deuses, códigos, convenções, uniformes que inventamos para aliviarmos nossas culpas. "Bom", "mau" são idealizações dependentes da ótica de quem vê, o que é bom aqui não é bom lá, ou vice versa.

A grande revolução do homem: o pensar. A explicitação do pensamento é a justiça. Fazer justiça é combater injustiças e privilégios.

O nosso senso de justiça, livrando-nos da culpa, amém, é impô-la ao outro, a qualquer custo ou preço, para sorrirmos poderosos  e satisfeitos. Esvazia-se a coerência e arma-se a coerção.  Conquiste riquezas, destrua culturas. É doloroso admitir, porém admitir é maturidade, admitir é transformar.   A lucidez depende de não perdermos a capacidade de indignação.

Envergonho-me muitas vezes de mim mesmo e da minha espécie. Envergonho-me de minha psicopatia e de todas as psicopatias coletivas.

Envergonho-me da psicopatia deste momento, envergonho-me de balbuciar baixinho a palavra Gaza.


*Médico- Rio de Janeiro



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