O despertador humano
* Por
Marcelo Sguassábia
Junto com a Revolução
Industrial – período de 1760 a algum momento entre 1820 e 1840 – vieram os
empregos. Para não perderem a hora, existia o despertador humano, um
profissional responsável por acordar as pessoas para que comparecessem ao
trabalho pontualmente. O primeiro relógio-despertador foi criado em 1847, mas
só se popularizou décadas depois. Assim, era comum ver pessoas com bambus ou
varetas batendo nas vidraças ou atirando pedrinhas nas janelas daqueles que as
contratavam.
(fonte:
universoretro.com.br)
Fico imaginando o que
seria dessa cidade caso eu tivesse escolhido outra coisa para fazer na vida. Se
bobear, você mesmo pode ter sido acordado por mim hoje.
Não há quem não
precise de meus préstimos. Muitos podem pensar que não faz nenhum sentido um
arrumador de pinos de boliche, por exemplo, necessitar dos serviços de um
despertador humano. Ele não tem que acordar cedo, pois geralmente trabalha à
noite. Só que ele troca a noite pelo dia, e se não houver ninguém para
acordá-lo mais ou menos ao pôr do sol, ele vai ser mandado embora. Mas existem
outras consequências. Se um cara desses vai trabalhar com sono, demora para
sair da pista e acaba ele mesmo servindo de pino de boliche. Concorda comigo?
Se você parar para
pensar, vai ver que tudo - ou quase - depende de mim. Supondo que aconteça um
acidente e o arrumador de pinos acabe indo para o hospital. Ele não vai
precisar de mim enquanto estiver internado, certo? Errado, pois o médico que
trata dele vai, para estar pontualmente levando seus cuidados ao enfermo. Assim
como a enfermeira, o motorista da ambulância e todo um leque de profissionais
que botam o hospital para funcionar.
Se o leiteiro não
estiver de pé às 5 e meia da manhã, pronto para fazer suas entregas, vai deixar
todo mundo sem café para ir ao trabalho (ainda que seja leite o que ele
fornece). E a sorte minha é que o ordenhador de vacas mora na zona rural. Se
fosse na cidade, teria que acordá-lo também. E bem antes do leiteiro...
Agora imagine você
numa emergência, em que seja preciso ligar imediatamente para alguém. Pode
esquecer se não houver telefonista acordada, para completar a ligação. Como
elas trabalham em turnos, são vários grupos de mulheres que precisam ser
despertadas em horários diferentes. Isso me força a ficar com minha vara de
bambu pra baixo e pra cima o dia todo. E a pé, pois não há transporte que
acomode satisfatoriamente o meu instrumento de trabalho.
Confiança é tudo nessa
profissão, e a responsabilidade de acordar tanta gente não admite erros nem
desculpas. Basta meia hora de atraso em um dia qualquer e pronto, perco de uma
vez o respeito dos clientes.
Sem mim, o mundo para.
Ninguém pode imaginar a vida com atrasos nos serviços de telefonista, leiteiro,
arrumador de pinos de boliche e tantas outras ocupações desse mundo moderno. A
menos que inventem um relógio que seja também despertador, o que me parece
muito improvável. Porém, devo admitir que essa ameaça me roubaria o sono. Mas
como não posso dormir mesmo...
* Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs:
WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e
WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).
Hoje o celular desperta quase todo mundo. Pelo menos aqueles que precisam trabalhar.
ResponderExcluir