segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Trump: uma nova etapa da história?

* Por Leonardo Boff


Já há anos se notava, um pouco em todas as partes do mundo, a ascensão de um pensamento conservador e de movimentos que se definiam como de direita. Com isso se sinalizava um tipo de sociedade na qual a ordem prevalecia sobre a liberdade, os valores tradicionais se impunham aos modernos, e a supremacia da autoridade se sobrepunha à liberdade democrática.

Esse fenômeno se deriva de muitos fatores mas principalmente pela erosão das referências de valor que conferiam coesão a uma sociedade e forneciam um sentido coletivo de convivência. O predomínio da cultura do capital com seus propósitos ligados ao individualismo, à acumulação ilimitada de bens materiais e principalmente à competição deixando praticamente parco espaço para a cooperação,  contaminou praticamente toda a humanidade, gerando confusão ético-espiritual e perda de pertença a uma única humanidade, habitando uma Casa Comum. Emergiu a sociedade líquida, na linguagem de Bauman, na qual nada é sólido, acrescido com o espírito pós-moderno do every thing goes do vale tudo, na medida em que  conta é o que realiza um objetivo buscado por cada um, consoante suas preferências.

Face a esta diluição de estrelas-guias surgiu seu oposto dialético: a busca de segurança, de ordem, de autoridade, de normas claras e de caminhos bem definidos. Na base do conservadorismo e da direita em política, em ética e em religião se encontra este tipo de visão das coisas. Ela está a um passo do fascismo como se verificou na Alemanha de Hitler e na Itália de Mussolini.

Na Europa, na América Latina e nos Estados Unidos estas tendências foram ganhando força social e política. No Brasil foi este espírito conservador, direitista que moldou o golpe de classe jurídico-parlamentar que destituiu a Presidenta Dilma Rousseff. O que se seguiu foi a implantação de políticas claramente de direita, anti-povo, negadoras de direitos sociais e retrógradas em termos culturais.

Mas essa tendência conservadora alcançou sua dimensão mais expressiva na potência central do sistema-mundo, os Estados Unidos, confirmada pela  eleição de Donald Trump à presidência daquele país. Aqui o conservadorismo e a política de direita se mostram sem metáforas e de forma deslavada e até rude.

Trump, em seus primeiros atos, começou a desmontar as conquistas sociais alcançadas por Obama. Nacionalismo, patriotismo, conservadorismo, isolacionismo são suas características  mais claras.

Seu discurso inaugural é aterrador: ”de hoje em diante uma nova visão governará a nossa terra. A partir deste momento só os Estados Unidos serão o primeiro”. O “primeiro” (first) aqui deve ser entendido como “só (only) os Estados Unidos vão contar”. Radicaliza sua visão ao término de seu discurso com evidente arrogância: ”Juntos faremos que os Estados Unidos voltem a ser fortes. Faremos que os Estados Unidos voltem a ser prósperos. Faremos que os Estados Unidos voltem a ser orgulhosos. Faremos que os Estados Unidos voltem a ser seguros de novo. E juntos faremos que os Estados Unidos sejam grande de novo”.

Subjacente a estas palavras funciona a ideologia do “destino manifesto”, da excepcionalidade dos Estados Unidos, sempre presente nos presidentes anteriores inclusive em Obama. Quer dizer, os Estados Unidos possuem uma missão única e divina no mundo, a de levar seus valores de direitos, da propriedade privada e da democracia liberal  para o resto da humanidade.

Para ele o mundo não existe. E se existe é visto de forma negativa. Quebra os laços de solidariedade para com os aliados tradicionais como a União Européia e deixa cada país livre para eventuais aventuras contra seus contendores históricos, abrindo espaço para o expansionismo de potências regionais eventualmente incluindo guerras letais.

Da personalidade de Trump se pode esperar tudo. Habituado a negócios tenebrosos como são, de modo geral, os empreendimentos imobiliários novaiorquinos, sem qualquer experiência política, pode deslanchar crises altamente ameaçadoras para o resto da humanidade, como por exemplo, uma eventual guerra contra China ou a Coreia do Norte, onde não se exclui a utilização de armas nucleares.

Sua personalidade denota características psicológicas desviantes,  narcisista e com um ego super-inflacionado, maior que seu próprio país.

A frase que nos assusta é esta: ”de hoje em diante uma nova visão governará a terra”. Não sei se está pensando apenas nos Estados Unidos ou no planeta Terra. Provavelmente as duas coisas para ele se identificam. Se for verdade, teremos que rezar para que o pior não aconteça para o futuro da civilização.

* Leonardo Boff é teólogo e autor de “Tempo de Transcendência: o ser humano como projeto infinito”, “Cuidar da Terra-Proteger a vida” (Record, 2010) e “A oração de São Francisco”, Vozes (2009 e 2010), entre outros tantos livros de sucesso. Escreveu, com Mark Hathway, “The Tao of Liberation exploring the ecology on transformation”, “Fundamentalismo, terrorismo, religião e paz” (Vozes, 2009). Foi observador na COP-16, realizada em Cancun, no México.




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