segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Um bailão de vergonha


* Por Ana Esther Pithan


O coração da D. Pierina batia ansioso de tanta alegria. Era a primeira vez que conseguia escapar da vigilância implacável da filha e participar do Bailão da Terceira Idade em seu bairro. Várias de suas amigas estavam lá se divertindo também. Era uma oportunidade rara para D. Pierina sair de casa e encontrar os amigos em momentos divertidos pois acostumara-se a sair somente para ir ao médico acompanhada pela filha.

Um sentimento de liberdade, esquecido há tantos anos, a invadiu e ela curtia a festa, adorou a mesa de chá, maravilhou-se com as músicas bonitas e poder bater papo com as amigas já era o máximo para ela. Até que o Seu Juvenal, marido da D. Inácia, convidou-a para uma dança, sugestão da própria D. Inácia. Quanta gentileza a dele proporcionar-lhe aquela felicidade! Havia bem uns 30 anos que ela não dançava...

Foi no meio da dança que D. Pierina ouviu um berro no salão. Todos pararam para ver o que estava ocorrendo. Era a Norma, filha da D. Pierina, que chegara de surpresa no baile e dera com a mãe dançando com aquele homem desconhecido. A Norma separou os dançarinos e descompôs a mãe na frente de todos, dizendo que uma velha como ela não podia dar-se ao desfrute de uma cena como aquela. Chegou ao ponto de acusar o Seu Juvenal de estar de olho na pensão do INSS de sua mãe...

A vergonha da D. Pierina foi tanta que sua tristeza chegou ao coração de Ana Brasilis... a fotógrafa oficial da Parada da Diversidade que acontecia naquele mesmo dia na cidade. Ana já tirara muitas fotos incríveis do evento mas ainda faltava muito a ser registrado. Contudo, sabia que velhinhas em apuros têm prioridade. Puxou da bolsa o chaveiro com a bengala em miniatura... e gritou com todo o pulmão: “Bengala Mágica, chama a Vovó!” Com seus poderes mágicos a Mega Vó chegou voando no Bailão da Terceira Idade e testemunhou o papelão que a Norma estava dando. Foi aquele alvoroço. Todos se espantaram vendo a velhinha voadora aterrissar no meio do salão e dirigir-se destemidamente em direção àquela filha malvada.

A Mega Vó então com sua voz carinhosa disse para Norma: “Minha cara senhora, que vergonha, tratares tua mãe dessa maneira... é assim que tu queres que os teus filhos te tratem daqui a não muitos anos?” Norma quase teve uma síncope. Não se dera conta de que também já não era mais jovenzinha... A Mega Vó aproveitou-se deste instante de reflexão e fitou-a com o seu hiper-poderoso Olhar do Arrependimento.

Sob a influência do Olhar do Arrependimento Norma percebeu como agia errado. Uma senhora de 75 anos, cheia de vida, criativa e com tanto para aproveitar... não merecia ser trancafiada em casa, privada da convivência com as amizades. “Aliás, Norma, tua atitude joga no lixo tudo o que é defendido pelo Estatuto do Idoso, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos... e também pelas leis do bom senso e do amor ao próximo!” Disse a Mega Vó olhando Norma no fundo dos olhos.

O salão inteiro bateu palmas em sinal de apoio às palavras da Mega Vó. Norma, em reação aos poderes do Olhar do Arrependimento, fez uma análise do seu comportamento e percebeu a extensão de seu erro. Jurou de pés juntos virar uma boa filha e respeitar não apenas sua mãe mas toda e qualquer pessoa.

Outro caso resolvido e a Mega Vó retornou à Parada da Diversidade onde com sua identidade secreta terminaria seu trabalho fotográfico. A loucura e faceirice por ali eram enormes e ninguém nem percebera a curta ausência da Ana Brasilis, para os velhinhos em apuro, a heroína Mega Vó!


NOTA: Esta minha crônica da Mega Vó foi para a publicação no jornal Cultura&Lazer de Florianópolis, SC.



* Escritora, tradutora e professora gaúcha.

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