terça-feira, 8 de novembro de 2011







Manoela e a proteção virtual

* Por Evelyne Furtado


Manoela cansou do seu interior. Espreguiçou-se. Respirou fundo e com um sorriso saiu para a vida. Tinha algumas coisas para fazer.
Foi ao banco fazer pagamentos e enfrentou filas. Supermercado em dia de promoção, muita gente e mais filas. Almoçou com amigos, conversou e riu.
No carro sentiu saudade ao ouvir uma música que lembrou alguém. No sinal fechado, depois de muita luta com a bolsa, encontrou o celular que berrava igual a um bebê.
Sôfrega atendeu alguém do trabalho que queria um serviço "para ontem". As buzinas a alertaram. Estava atrapalhando o trânsito. Mudou o rumo e correu para a exigência do dia anterior. Na volta para casa enfrentou um tráfego infernal.
Ao chegar, comeu sua dieta sem graça. Tomou um banho relaxante e se reencontrou consigo própria. Com uma gostosa camisolinha, acomodou-se para ver o noticiário da TV e ler alguns jornais apinhados que não lia há alguns dias. Meu Deus! Estavam jogando crianças pelas janelas dos edifícios. Outras estavam sendo mortas por policiais. Traficantes e o Estado trocavam tiros. A Amazônia corria perigo. Grande parte dos políticos formava quadrilhas e não eram de São João.
A natureza também se rebelava em terremotos, com muitos mortos. Foi quando uma bala perdida a atingiu. Manoela sentiu o projétil penetrando seu peito, mas a ferida não foi fatal. Deu tempo de desligar a TV, jogar os jornais na área de serviços.
Preparou um lanchinho. Releu cartas antigas. Chorou de saudade. Sentou diante do monitor e se deixou levar por palavras, promessas e lindas estórias de amor. Escapara naquele dia. Agora se sentia protegida no seu mundo de ilusões.

• Poetisa e cronista de Natal/RN

2 comentários:

  1. Retrato melancólico e fiel da vida estéril que levamos. Achei interessante a frieza da Manoela ao receber a bala perdida e continuar cumprindo o script de todo dia. Muito bom texto, amiga Evelyne.

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  2. Noticiário é indigestão na certa. Então é o salve-se quem conseguir. Para fugir de balas perdidas, nada como um tour pelo mundo virtual. Apenas um adendo: ele sai do monitor e vem atormentar tanto quanto o outro mundo, o de verdade.

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