segunda-feira, 21 de novembro de 2011





A ressurreição de Lázaro, Rembrandt

O vermelho e o cinza

* Por Talis Andrade

Por longínquo caminho
no silêncio do túmulo
o que Lázaro viu
as marcas da cruentação
ou do vermelho enxofre
no branco linho
a enfaixar o corpo


O que Lázaro viu
o fúnebre cortejo
de uma procissão
de esqueletos
em dia de finados


O que Lázaro viu
no infinito campo
embaçadas figuras
como acontece
ao irmão boi
resignado à sina
de pastagens
em tons cinzas


Contenta a Lázaro
nesta segunda passagem
tudo recomece
donde o fio
da vida se partiu
ou apenas tem olhos
para o imaginário
o que poderia ter sido
e não foi A intentada
excitante aventura
por lendárias terras
visagem de um mundo
paradisíaco inatingível


No silêncio do túmulo
preferiria Lázaro
a viagem sem volta
por um túnel de luz
o corpo arrebatado
sobre as nuvens
o corpo vestido de vazio
o corpo livre
do amargor da carne


Nesta segunda passagem
que espera Lázaro
o açoite da nudez
de João Batista
a nudez contida
em uma vestimenta
de pêlos de camelo
o cinto de couro
em volta dos rins
garroteando os impulsos
convulsivos repulsivos


Que espera Lázaro
o dom da palavra
a língua de fogo
coriscando o ar
como um raio
a palavra que incendeia
e queima
a palavra que amaldiçoa
e fere
mais afiada
que o gume
de uma cica


Que espera Lázaro
a ofuscante nudez de Davi
a dançar e cantar
triunfante ao som
de harpas e cítaras
de tamboris e trombetas
de sistros e síbilos
pelas ruas de Jerusalém
para ser ungido rei


Simplesmente seguir
uma nova vida
em vestes magnificentes
de púrpura e ouro
gozar os festins
o vinho do delírio
o deleite das dançarinas
na dança pastoril
a posse febril
de um corpo de mulher
o corpo suave promessa
de orgasmo e paz


Que deseja Lázaro
se nenhum livro
nenhuma carta
nenhum parente
nenhum amigo
jamais registrou
uma palavra sua


De Lázaro apenas
se sabe vivia
com duas irmãs
e depois de quatro
dias no túmulo
aparece Jesus e chama
- Lázaro
vem para fora


Jesus ordenou
Lázaro
fosse libertado
das faixas
e retirado o lenço
que cobria o rosto


Lázaro não estava livre
da morte
De Lázaro o milagre
de uma segunda vida

* Jornalista, poeta, professor de Jornalismo e Relações Públicas e bacharel em História. Trabalhou em vários dos grandes jornais do Nordeste, como a sucursal pernambucana do “Diário da Noite”, “Jornal do Comércio” (Recife), “Jornal da Semana” (Recife) e “A República” (Natal). Tem 11 livros publicados, entre os quais o recém-lançado “Cavalos da Miragem” (Editora Livro Rápido).

Um comentário:

  1. O milagre de uma segunda vida e também de uma segunda morte. Foi-lhe vantajosa essa volta? Não creio. Foi apenas uma alegoria para Jesus mostrar quem Ele era.

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