quarta-feira, 30 de novembro de 2011







Inverno portátil

* Por Mara Narciso


É mês de novembro e começa o Congresso Brasileiro de Endocrinologia. A cidade sede é Salvador e a Bahia explode de calor e alegria. Por todos os cantos respira-se baianidade, cheiros e suores. Houve a revitalização do Pelourinho e a beira-mar está bonita e segura. Ninguém em sã consciência encheria as malas de nada além de shorts e camisetas, e uma sandália de borracha daquela marca famosa. É bom colocar um casaquinho leve, num canto. Pode ser que chova, e à noite corra um ventinho do mar, que poderá incomodar, lá nas altas horas, após um show, que sempre tem nos ricos congressos médicos.
Quando se chega ao Centro de Convenções, imenso, feito de ferro, que lembra vagamente a Torre Eiffel, embora deitado e em formato retangular, sabe-se que tudo ali terá dimensões astronômicas. O auditório principal comporta três mil médicos e está repleto. No começo há sensação de frescor, coisa de ambiente climatizado, mas com o passar dos minutos vê-se que a palestra maior está acontecendo num local frio, que começa a incomodar. Logo o ambiente causa sensação térmica desagradável, e se estará esfregando as mãos, depois passando a mão nos braços, e em breve se é obrigado a sair, para não congelar.
Algumas pessoas trouxeram agasalhos leves, inúteis para o rigor desse frio, e poucos estarão à vontade em mangas de camisa. A geladeira reinante é um contra-senso. Não há a temperatura agradável de 22 graus recomendáveis para ambientes onde os PhDs estrangeiros estão de terno e gravata e acostumados a temperaturas amenas. No local está quase nevando. É inacreditável a estupidez da pessoa que regula a temperatura local. Quem não trouxe agasalho pesado precisará comprar um, o que não será fácil em Salvador, em quase verão. Isso foi há alguns anos, mas não deu para esquecer.
A característica não é prerrogativa desse congresso. Em todos eles é assim. Quanto mais quente a cidade, mais gelada estará a temperatura dos auditórios. É preciso ocupar metade da bagagem com roupas pesadas e arrastá-las por um dia inteiro, pois as apresentações são contínuas e não têm intervalo para almoço. Em caso contrário é congelamento, dada a imbecilidade incompreensível.
Nos congressos é pior, mas os lugares onde há ar-condicionado costumam ser assim também. Nas viagens de ônibus noturno, especialmente o leito, é de se esperar uma noite glacial, coberta de gelo. Não se consegue dormir, não só pelo incômodo da viagem, e exíguo espaço, mas devido à friagem de iglu. A mantinha que oferecem não chega para minimizar metade do frio que é imposto aos viajantes. Impossível entender isso, ainda mais no norte de Minas, onde estamos habituados ao calor. O substantivo que me ocorre é burrice, mas de quem?
As lojas dos shoppings oferecem bons produtos, beleza, decoração primorosa e frio, muito frio. Quem vai andar por mais tempo, mesmo que se aqueça com o exercício, é bom levar pelo menos um casaco leve, pois vai esfriar. Fazer compras aquece o coração, mas o ar-condicionado se ocupará de congelar o restante. Os cinemas também são frios. Os consumidores reclamam e não são atendidos.
Houve um tempo em que só os bancos tinham ar-condicionado em Montes Claros, capital do pequi e do calor, que eu amo. A cidade e o calor, senão procurava outra para morar. Há pessoas que não acreditam, mas quando o asfalto treme debaixo do sol, é que estou feliz. Estamos aclimatados para essa temperatura, que ultrapassa os 30 graus. Clima ameno pode ser melhor, mas colocar os usuários na geladeira é chique e não faz mal a saúde? Sem contar o maior gasto de energia, que esgota o Planeta, coisa reprovável.
Locais onde se opera aparelhos melindrosos - ressonância nuclear magnética, por exemplo -, obrigam os funcionários a usar roupas pesadas durante o expediente. Outros que trabalham em câmera fria como frigoríficos de grandes supermercados, já sabem o que os espera e vão preparados. Mas noutros lugares, o poderoso age como Todo Poderoso, e faz gélidas temperaturas. Por quê?

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”-

5 comentários:

  1. Calor de quase quarenta graus, entramos no shopping, o ar não dava vazão, mas em frente
    ao grande mercado nos era difícil respirar.
    O ar estava glacial e o lugar praticamente
    vazio. Fiquei com pena dos funcionários.
    Abraços

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  2. Também vejo assim Núbia. Tenho pena dos pobres funcionários que adoecem com tanto choque térmico. É frio demais! Como disse Celamar Maione: "clima de montanha após a nevasca". Qual o benefício disso? Quem souber me conte, pois desconheço.Obrigada por comentar.

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  3. Finalmente alguém que compartilha do mesmo gosto que eu, em relação à temperatura! Raramente declaro que odeio algo, mas como odiar ar condicionado não vai fazer mal a ninguém, então eu odeiooooo! Sou extremamente alérgica, bastando uma entradinha num ambiente climatizado conforme sua descrição, para que eu não durma à noite, com crise de rinite. Crítica perfeita Mara!
    Parabéns!

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  4. Marleuza, as mulheres sentem mais frio do que os homens, os mais velhos mais do que os jovens e os magros mais do que os gordos. As crianças também quase não reclamam do frio, porque fazem ginástica o tempo todo, correndo de um lado ao outro. E as mães atrás mandando vestir blusa para não adoecer.Fico feliz com sua solidariedade. Vejo que não estou só. Fico anos sem ligar o ar-condicionado do meu quarto e do consultório. Agradeço o comentário.

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  5. Realmente, Mara, não faz nenhum sentido. Já passei também por situação semelhante. No caso de um congresso, que costuma durar dias, a coisa fica ainda mais difícil de contornar. Um grande abraço e parabéns pelo texto.

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