domingo, 13 de novembro de 2011



Universo das letras

Quantos livros uma pessoa, digamos, “normal” consegue ler ao longo da vida? Quais? Há algum critério na escolha dessas leituras? Baseado no quê? E o sujeito erudito, o tal “rato de biblioteca”, qual a performance média de leitura que consegue ter? São questões que não têm (admito), lá muita importância (a rigor não têm nenhuma), cujas respostas não nos acrescentariam nada, mas que não deixam de suscitar reflexões. Não deixa de ser um debate interessante, sobretudo num espaço como este, dedicado exclusivamente à literatura.
Claro que, baseado no que é rotineiro por aqui, em que nada é debatido e cuja média diária de comentários aos textos postados gira, com muito favor, em torno de três por dia e que não mais do que cinco pessoas (isso em casos excepcionais) participam, posso afirmar que tal debate jamais irá ocorrer. Uma pena.
Temos ao nosso dispor uma ferramenta imbatível de interação. Todavia... as pessoas, por uma série de razões, não estão afeitas a diálogos. Fogem das trocas de idéias. Muitos até mesmo confundem debates, mesmo que de temas, digamos, “inofensivos”, como “embates”. Ou seja, como renhidas disputas que não podem perder. Há, até, quem apele para a ignorância e leve a questão para o terreno irracional da briga. Uma pena!
Mas vamos aos tais “raciocínios” que propus. Em texto anterior, levantei a hipótese de um desses leitores “exagerados” (embora nunca considere a leitura como exagero em nenhuma circunstância) ler dois livros por dia. Não conheço ninguém que consiga essa façanha nos 365 dias de um ano. Mesmo assim, se eventualmente houver quem logre essa performance, terá lido, num ano, 730 obras (não importa se literárias ou técnicas). Parece pouco, não é mesmo? Mas já é uma enormidade!
Suponhamos que esse “rato de biblioteca” seja pontual nesse desafio, com pontualidade de fazer inveja ao mais perfeito relógio existente, digamos, “atômico”. Ou seja, suponhamos que não falhe um só dia do ano nessa tarefa. E exageremos um pouquinho mais. Suponhamos que esse “maníaco” faça isso dos 14 aos 80 anos, sem nenhuma falha. Serão 66 anos consecutivos lendo dois livros por dia. Claro que isso é humanamente impossível. Essa pessoa não poderia fazer mais nada – nem estudar, nem trabalhar, nem ter lazer ou vida familiar ou social etc. – nesse longuíssimo período. Vamos supor, todavia, que consiga isso. Sabem quantos livros terá lido, então? Terão passado sob seus olhos 48.180 obras completas.
É muito? Nem tanto! Afinal, terá dedicado 66 anos da sua vida (e supondo que nunca tenha ficado doente, ou entediado, ou exausto etc.) apenas à leitura. Bem, reduzamos um pouco mais essa atividade, embora nem assim a hipótese se torne sequer minimamente verossímil, ou seja, factível. Digamos que o nosso fanático e resistente “rato de biblioteca” leia um livro por dia. Ao cabo de um ano, terá lido, claro, 365. E em 66 anos, quantos serão? Bem, neste caso, terá “devorado” 24.090 livros. Ninguém, ouso afirmar, rigorosamente ninguém tem essa capacidade, essa disponibilidade de tempo, essa disposição e essa disciplina.
Bem, prossigamos em nosso raciocínio, buscando nos aproximar pelo menos um pouco de um potencial factível. Digamos que o nosso compulsivo leitor (e põe compulsivo nisso!) leia um livro por semana. Essa, aliás, é a minha média. Mas seria por 66 anos? De jeito nenhum! Mesmo tendo na leitura meu lazer predileto, há períodos (muito curtos por sinal) em que leio até mais do que isso. Há, no entanto, vários outros em que meu índice de leitura (e no caso refiro-me apenas a livros, sem contar jornais, revistas ou documentos do meu trabalho) se aproxima do zero.
Suponhamos, no entanto, que o nosso “rato de biblioteca” consiga ler um livro por semana, por 66 anos. Sabem quanto terá lido nesse período? Já fizeram o cálculo? O número será bastante baixo, ou seja, de 3,432 obras. Essa cifra é menor do que meu acervo pessoal, em minha caótica e bagunçada biblioteca. Tenho exatos 4.026 volumes, espalhados por vários cômodos da casa. Quantos deles já li? Muitos! Mas nem de longe me aproximei da cifra de 3,432. Duvido que consiga me aproximar razoavelmente dela enquanto viver. Mas... nunca se sabe.
E quais livros são tão fundamentais que uma pessoa razoavelmente culta não pode deixar de ler, sob pena da sua cultura e erudição serem questionadas? Quem pode determinar isso, sem cometer injustiças? Afinal, há alguém que já tenha lido “todas” as obras publicadas e que, por isso, tenha podido avaliar a importância de cada uma delas para as recomendar aos outros? A tarefa, como comprovei, é tão rigorosamente impossível, que a simples pergunta soa como tola, absurda, maluca como a mais rigorosa insanidade.
Vocês já pensaram quantos livros existem no mundo, hoje, desde os da mais remota antiguidade, que conseguiram sobreviver ao tempo e à destruição, até os lançados, digamos, hoje, em badaladas noites de autógrafos? É possível apurar essa cifra? Com exatidão, claro que não!. Mas dá para se ter uma idéia, posto que com muitíssima inexatidão.
O site de buscas “Google”, ferramenta que hoje já se tornou quase indispensável a quem precise fazer pesquisa, tentou fazer esse tipo de levantamento. Apurou que, até 9 de agosto de 2010, havia, em todo o mundo, em bibliotecas públicas e particulares, 129.864.880 livros diferentes. Lógico, claro, óbvio que essa cifra é apenas aproximada, impossível de beirar a exatidão. Afinal, quando a pesquisa sequer havia sido concluída, milhares de novos livros foram lançados em diversas partes do mundo. Como se vê, é um “universo” de letras que, se não é infinito, é como aquela proposição matemática que estudamos em limites e derivadas: “delta tende ao infinito”.
Dá para perceber quanta preciosidade deixaremos de ler ao longo da vida, por mais que o desejemos saborear esses primores da inteligência, por absoluta impossibilidade material, de tempo? Afinal, se lêssemos dois livros por dia, ao longo de 66 anos ininterruptos, leríamos, apenas, 48.180. Uma ninharia diante dos mais de 130 milhões (e põe mais nisso!) de obras que existem. E caso esse número fosse cifra (forçando a barra) “factível” de ler, teríamos lido, em toda a vida, no máximo, no máximo, e assim mesmo exagerando o número, 3.432 volumes!!! Com todo o respeito devido, pois, aos clássicos, e aos gênios de literatura de todos os tempos, como recomendar, em tom dogmático, o que um leitor erudito não pode deixar de ler algum dia? Baseados no quê?

Boa leitura.

O Editor.




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Um comentário:

  1. Diante da pergunta, a sua resposta: não há importância nenhuma nisso. Quando de férias consigo ler um livro a cada cinco dias. Só que nunca estou de férias. Em tempo de faculdade (nove de medicina, contado os três de residencia, e mais os quatro de jornalismo)quase não li por prazer, pois não dava tempo. Em período de trabalho, quando cheguei a trabalhar até 16 h por dia, não dá muito tempo, além das leituras obrigatórias e das revistas. Durante os últimos 30 anos, seguramente li mais de 90% da revista Veja. Não li muitos jornais, mas de vez em quando leio. Há 12 anos sou dependente da internet e leio algum sites que me são preciosos. Gosto de ler, leio muito e tenho uma leitura mais rápida do que a média. Comecei com livros desde os 11 ou 12 anos( Monteiro Lobato na casa do meu avô). Li muito menos do que gostaria e muitos clássicos, tidos por todos e por mim como leitura obrigatória, nem cheguei perto de fazer a lição de casa. Não está muito difícil, pois tenho avançado nisso daí. Quanto a debater temas aqui, acho que não vai acontecer.

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