segunda-feira, 28 de novembro de 2011



Entrevista depois do jogo

* Por Fausto Brignol


Repórter – Estamos aqui com o goleador da partida. Prezado Futebolista, o que achou da vitória do seu time?

P.F. – Foi um jogo fraco, com muitas faltas, e a nossa vitória foi injusta, porque houve um pênalti não marcado para eles, que eu mesmo fiz dentro da pequena área e um gol que eles fizeram e o árbitro marcou impedimento.

Repórter – Mas, apesar de tudo, uma vitória sempre é uma vitória, não é? Soma mais três pontos...

P. F. – É. Como você mesmo disse, embora seja uma redundância, uma vitória é sempre uma vitória, futebol é uma caixinha de surpresas, seleção é a pátria de chuteiras e todos aqueles clichês já conhecidos. Obviamente, uma vitória soma mais três pontos; se fosse um empate seria apenas um ponto e, no caso de derrota, nenhum ponto seria somado.

Repórter – Você deve estar feliz com esta vitória importante...

P. F. – Feliz de verdade, não, mas eu tenho que aparentar felicidade, você sabe... Por isso, depois que fiz aquele gol, beijei a camiseta do time, fiz um coração com as duas mãos para a torcida, dei uma cambalhota e dancei a dancinha do porco com os meus companheiros. Mas você sabe que isso tudo é coreografia ensaiada no vestiário, porque a torcida é que paga os nossos salários e devemos alegrá-la, fingindo felicidade.

Repórter - Mas porque você não está feliz?

P. F. – É que a nossa vitória determinou o rebaixamento para o time deles, o que é uma tristeza. Eles jogam um campeonato inteiro para depois serem rebaixados por culpa nossa... E faltando ainda algumas partidas.

Repórter – Mas você fez o gol decisivo, naquele entrevero dentro da pequena área...

P. F. – Para falar a verdade, a minha intenção era tirar a bola para evitar o gol. Mas, infelizmente, dei de rosca e a bola entrou. Além do que, eu estava impedido e o árbitro não deu, nem o bandeirinha acenou, o que me faz pensar que este campeonato está com as cartas marcadas. Não é a primeira partida que a arbitragem nos favorece com erros tão escandalosos.

Repórter – E a que você atribui esse favorecimento das arbitragens?

P. F. – Ora, o nosso clube é muito rico... E mesmo que as arbitragens não sejam compradas – o que eu duvido – sempre são induzidas a favorecer o time do clube mais poderoso. Isso é uma tradição no futebol. Imagina a cara do árbitro depois de uma partida em que ele for o responsável pela derrota do time mais rico frente a um time pobre! Coitado! Nunca mais conseguiria crédito em lugar nenhum; talvez nunca mais apitasse. Os árbitros não tem culpa por agirem assim: faz parte do jogo.

Repórter – Você quer dizer...!

P. F. – Eu quero dizer que desta vez o roubo foi escandaloso, porque nós tínhamos que ganhar para garantir a liderança do campeonato, e a nossa torcida é muito grande e o clube é muito influente, e até vocês, da imprensa fazem a cabeça do torcedor dizendo repetidamente que nós devemos ganhar, porque somos melhores, etc. Mas de outras vezes...

Repórter – De outras vezes vocês ganharam porque jogaram bem melhor, não foi?

P. F. – Algumas vezes nós jogamos melhor e ganhamos. Mas daqueles times mais fracos. Geralmente...

Repórter – Geralmente?

P. F. – Geralmente a arbitragem é muito amiga nossa. Talvez vocês lá em cima não percebam, mas há toda uma estratégia de arbitragem quando quer favorecer um lado.

Repórter – E como é essa estratégia, Prezado Futebolista?

P. F. – Começa com o árbitro intimidando os adversários, mandando eles jogarem a bolinha deles e ficarem quietos... Eles não podem nem trocar uma idéia que o árbitro marca falta técnica. Depois, começa a não dar as nossas faltas. Podemos atropelar um jogador deles ou dar uma cotovelada que o árbitro manda seguir, dizendo que é jogo de corpo. Depois, quando ainda não fizemos o primeiro gol, dá falta a nosso favor mesmo quando é só jogo de corpo. E quando vai chegando o final da partida e, por milagre, ainda está empatada, basta cair na área deles que o árbitro marca pênalti. E se o goleiro deles defender, manda repetir, dizendo que ele se mexeu. E os cartões amarelos. É a tática mais conhecida: eles dão cartão amarelo no primeiro tempo, para os jogadores adversários, para poderem expulsá-los no segundo tempo e facilitar a nossa vida.

Repórter – Mas será que você não está exagerando? Isso acontecia em tempos passados. Hoje em dia, os árbitros são muito bem pagos.

P. F. – Bem pagos eu sei que eles são! Quanto a exagerar, eu não disse nem a metade...

Repórter – Mas, mudando de assunto, finalmente você conseguiu renovar o seu contrato! E por um salário espetacular! Três milhões de reais!

P. F. – Não é um absurdo? Num país em que o salário mínimo é 535 reais eu ganho três milhões por mês! E pra não fazer praticamente nada. Só jogar o meu futebolzinho, que vocês dizem que é espetacular, mas só eu sei o quanto é limitado... Ter um bom preparo físico, dar uns dribles nas partidas, fazer uns golzinhos mixurucas...

Repórter – E você acha que é pouco? Você dá dribles que nem o Pelé; faz gols geniais!

P. F. – Por favor, não ofende o Pelé. Eu vi vários vídeos dele e ele sim é que era genial. Sem contar que ele jogava contra zagueiros de verdade.

Repórter – Como assim?

P. F. – É muito fácil jogar contra os zagueiros de hoje em dia. A grande maioria é só força física e correria. Você conhece algum bom zagueiro que ganhe um ótimo salário? É muito raro. E depois, fazer gols, por favor!, é a coisa mais simples. Na frente de uma goleira enorme daquelas, quem erra gol tem que ser muito ruim. E olha que tem muito jogador que só sabe errar chute!

Repórter – Mas você não está contente com o seu salário?

P. F. – E você conhece as cláusulas do meu contrato? Eu não tenho nem a opção de parar de jogar ou terei de pagar uma multa astronômica. E dos três milhões, uma parte vai pro meu empresário, outra vai para não sei qual fundação e eu ainda fico com dinheiro demais. Não é justo eu ganhar tanto só para jogar futebol quando tem tanta gente passando fome e esmolando nas ruas... Você sabe quanto ganha um professor no Brasil de hoje? Mas fui obrigado a aceitar o contrato, porque o patrocinador insistia e o clube pode deduzir grande parte e todos saem ganhando, menos eu, que perco a minha liberdade.

Repórter – Mas, ganhando tanto você ainda fala em liberdade?

P. F. – A liberdade é essencial para o ser humano. Para todos nós. É claro que liberdade sem dinheiro nada adianta em nosso mundo. É uma pena que seja assim. Mas eu queria tanto completar a minha educação, fazer um curso superior, me dedicar a alguma coisa que também mexesse com o cérebro e não só com o corpo.

Repórter – Mas isso é inédito! Você, um jogador idolatrado pelo Brasil inteiro, pensar em largar o futebol e fazer um curso superior! Você tem certeza de que não está cansado demais devido à partida exaustiva e, por isso, está falando dessa maneira, Prezado Futebolista?

P. F. – Cansado eu até estou um pouco, mas só um pouco, porque eu só corri o suficiente até fazer aquele gol de impedimento e depois me poupei. Hoje à noite tem festa...

Repórter – Deverá ser uma festa linda com a família, os amigos, no recesso do seu lar...

P. F. Na verdade, não. Como eu ainda não sou casado, vou para um baile funk, beber umas.

Repórter – Você quer dizer beber uns refrigerantes, porque você é um atleta e não pode beber álcool.

P. F. – Não, beber umas mesmo. E talvez fumar um baseado, cheirar uma coca, o que vier...

Repórter – Você deve estar brincando!...

P. F. – Não. Sério. Até vamos em grupo, com nossos seguranças e empresários, que vão conseguir pra nós umas minas. Já está tudo combinado.

Repórter – Você quer dizer que vai haver um churrasco para todo o time, não é?

P. F. No morro. O churrasco vem depois. Ou durante. Conhecemos alguns amigos trafi...

Repórter – Obrigado, Prezado Futebolista, o nosso tempo está acabando. Felicitações pela vitória.

P. F. – Espere aí! Eu queria lhe convidar para a festa. Se você não gosta de pó, pode ficar apenas na cerveja, não tem importância. E se não gosta de mulher, eu lhe consigo... Espere aí!


Texto extraído do Blog do Fausto Brignol – HTTP://fausto-diogenes,blogspot.com


• Jornalista e escritor

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