terça-feira, 29 de novembro de 2011







Zila Mamede.

* Por Evelyne Furtado


Gostaria que Nova Palmeira fizesse parte do Rio Grande do Norte’, dizia Zila Mamede, uma poetisa potiguar, nascida na Paraíba, em 1928.

De família norte-rio-grandense, muito cedo Zila mudou-se para Currais Novos (RN), onde permaneceu até o advento da Segunda Guerra, quando o seu pai foi trabalhar na base aérea de Parnamirim e a família estabeleceu-se em Natal.

A moça, que desejou ser freira, cursou biblioteconomia em Recife, onde teve seus primeiros contatos com a literatura.Concluindo pós-graduação nos Estados Unidos, Zila voltou a Natal e organizou a biblioteca da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (que hoje tem seu nome) e a Biblioteca Estadual Câmara Cascudo.

Em 1953, foi lançado Rosa de Pedras, primeiro livro de Zila Mamede, considerado por Manoel Bandeira um dos melhores livros brasileiros em versos.

A poesia de Zila contém o sertão de sua infância, o mar, os rios e as lagoas do Rio Grande do Norte.

Seu poema Banho (Rural), incluído na Coletânea Os Cem Melhores Poemas, da Editora Objetiva, revela entre os elementos campesinos uma suave sensualidade:

"De cabaça na mão, céu nos cabelos
à tarde era que a moça desertava
dos arenzés de alcova. Caminhando
um passo brando pelas roças ia
nas vingas nem tocando; reesmagava
na areia os próprios passos, tinha o rio
com margens engolidas por tabocas,
feito mais de abandono que de estrada
e muito mais de estrada que de rio
onde em cacimba e lodo se assentava
água salobre rasa. Salitroso
era o também caminho da cacimba
e mais: o salitroso era deserto.
A moça ali se perdia, afundava-se
enchendo o vasilhame, aventurava
por longo capinzal, cantarolando:
desfibrava os cabelos, a rodilha
e seus vestidos, presos nos tapumes
velando vales, curvas e ravinas
(a rosa de seu ventre, sóis no busto)
libertas nesse banho vesperal.
Moldava-se em sabão, estremecido,
cada vez que dos ombros escorrendo
o frio d'água era carícia antiga.
Secava-se no vento, recolhia
só noite e essências, mansa carregando-as
na morna geografia de seu corpo.
Depois, voltava lentamente os rastos
em deriva à cacimba, se encontrava
nas águas: infinita, liquefeita.
Então era a moça regressava
tendo nos olhos cânticos e aromas
apreendidos no entardecer rural."


Zila pesquisou as obras de Cascudo e de João Cabral de Melo Neto, sendo do poeta uma grande admiradora. Em Drummond teve um leitor e um mestre. Esteve entre os grandes e foi, ela também, um expoente da poesia no Brasil.
Publicou cinco livros de poesias: Rosa de Pedras (1953), Salinas (1958), O Arado (1959), Exercício da Palavra (1975) e Corpo a Corpo (1978). Ainda em 1978, foi publicado Navegos, reunindo todas as obras anteriores.
De Corpo a Corpo, destaco o poema "Onde". Nele a autora inova na forma e expõe questões existenciais com perfeita harmonia:

Entre a ânsia
e a distância
onde me ocultar?
Entre o medo
e o multiapego
onde me atirar?
Entre a querência
e a clarausência
onde me morrer?
Entre a razão
e tal paixão
onde me cumprir?

Em 13 de dezembro de 1985, Zila Mamede integrou-se às águas cálidas e mansas da Praia do Forte em Natal. O mar que sempre a fascinou devolveu seu corpo sem vida à Praia da Redinha. A hipótese de suicídio não foi sustentada e para aqueles que a admiravam, a poeta teve a morte que merecia, pois como cantou Dorival Caymmi "é doce morrer no mar / nas ondas verdes do mar".

• Poetisa e cronista de Natal/RN

2 comentários:

  1. "É doce morrer no mar", mas é curioso como os poetas conseguem escolher o tom suave de contar coisas. Zila Mamede fez isso muito bem, a julgar pelos dois poemas dela escolhidos por você, Evelyne. É possível que a família do meu ex-marido tenha convivido com ela, pois eles moraram na Base Aérea de Parnamirim após a Segunda Guerra Mundial.

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  2. Oi, Evelyne. Legal conhecer um pouco da vida da Zila. Deve ter sido realmente uma figura ímpar. Valeu. Um beijo pra você.

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