A mais recente foto de Lula
* Por Urariano Mota
Ao ver as últimas fotos de Lula na imprensa, com os cabelos e barba raspados por dona Marisa, a primeira coisa que vem na gente é um choque. A intimidade de Lula com o povo brasileiro é de tal sorte, que vê-lo neste estágio de luta contra o câncer é o mesmo que rever um amigo caído em um leito de hospital. Depois, quando a gente atenta bem para a sua face, a sorrir, brincalhão, como a nos dizer “eu ainda vou provar um caldinho de feijão em Pernambuco, não desesperem”, bate na gente uma simpatia por esse homem provado pela dificuldade desde a infância.
Mais adiante, a foto desperta a reflexão de que a partir dela muitos brasileiros vão retirar do câncer o seu aspecto macabro, definitivo e definidor, como até hoje todos o vemos. O colunista aqui bem conhece a doença, da juventude até hoje em parentes, amigos e numa pessoa próxima demais para o seu gosto. Em todos conhece a via-crúcis, que vai do autoengano à desesperança, até a exclusão voluntária do mundo dos saudáveis. E no entanto, Lula, na foto, está a nos sorrir e nos puxar para cima, “enfrentem, nada está definido, vamos adiante”. Se desse em nada, só a sua imagem deveria receber prêmio dos institutos de oncologia, porque deixa em todos a luz da esperança.
Por fim, é da natureza de uma foto de alguém em tratamento de câncer, dela vêm outras imagens, de Lula no Recife, em Água Fria, lembro:
Súbito houve um estouro, não de fogos, nem de boiada. Houve um rumor que cresceu, que se tornou incontrolável, que mais parecia um orgasmo coletivo. Sofrido, querido e esperado. É Lula! É Lula! Todos gritaram. Os berros se fizeram ouvir mais alto, ensurdecedores. Mulheres, meninos, homens chamavam a atenção do Presidente, queriam chamá-lo, e ele não sabia para que lado se dirigir. Na hora uma idéia tenebrosa me ocorreu: se caísse um raio aqui, todos morreriam felizes. Mas essa idéia não atingiu palavras. Lula veio para o nosso lado. Era ele que avançava para o círculo estreito onde todos lhe queriam tocar a mão. Aos gritos. Aos prantos. Aos empurrões.
A última vez em que vi algo semelhante em Água Fria foi em 1965, no último dia de carnaval. Tocou Vassourinhas e não havia força que contivesse o gozo da multidão em fúria. Lembro. E mais lembro das coisas mais duras da sua vida. Por exemplo, quando o Lula menino pegou da boca de um colega o chiclete mascado. Ou a intensidade da dor de ver a mulher falecer de parto, como tantos pobres do Brasil veem, e jamais têm a sua dor expressa. Não sei por quê, mas no sudeste e sul do país se perdem a dimensão de que Lula, o personagem, o político, é maior que o PT, é maior que o sindicalismo, porque ele vem com a força da história, como uma encarnação da força que o povo tem. Dos muitos severinos, joões, marias e lindus.
Daí que causa espanto o nível de comentários que na imprensa além Nordeste há para a notícia da sua mais recente foto:
“JAMAIS o povo isento desejou a morte de um ex-presidente até desejar a de Lula. Realmente o governo Lula foi um marco na história do Brasil.
Lula: a grade maioria dos brasileiros quer mais é que você vá para o inferno. Abrace o capeta porque Deus desistiu de você faz tempo. Você ferrou com a vida da maioria da população, só ricos se beneficiaram com seu governo... Quero ver você agora enganar o diabo!
O grande medo é que o câncer crie ‘vida’ própria e inteligência, coisa que o hospedeiro não tem, e passe a dominar a situação, e daí a tchurma tem medo de perder a sua boquinha, pois ninguém sabe o que o câncer tem em mente, qual sua ideologia... O consolo é que a gente sabe que o câncer o evolui, mas o mula não...
Tenho pena mesmo é daquele cachorro arrastado pelo dono. Esse aí da foto teve o que merece...”
Ao ler esses comentários raivosos nos sites da imprensa no sudeste, vem na gente a vontade de deixar um conselho: não desejem tanto mal a Lula, porque se as suas pragas pegam, o mal lhes vem em triplo. Quanto mais dramas, problemas ou pequenas tragédias ocorrem a esse homem, mais ele cresce como pessoa e político. Respeitá-lo, gostar da sua história é mais sensato. Não sejam loucos de querer a sua morte morrida ou matada, entre dores, tragédia ou tiros. Pois se tal acontecer, vão ter que conviver o resto das suas vidas com São Lula. Imaginem o que seria render-lhe graças em todos os terreiros e templos do Brasil. Os loucos e raivosos estariam preparados? Melhor desejar a Lula o que a maioria do povo agora deseja: força, eterno Presidente.
* Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici e “Soledad no Recife”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.
* Por Urariano Mota
Ao ver as últimas fotos de Lula na imprensa, com os cabelos e barba raspados por dona Marisa, a primeira coisa que vem na gente é um choque. A intimidade de Lula com o povo brasileiro é de tal sorte, que vê-lo neste estágio de luta contra o câncer é o mesmo que rever um amigo caído em um leito de hospital. Depois, quando a gente atenta bem para a sua face, a sorrir, brincalhão, como a nos dizer “eu ainda vou provar um caldinho de feijão em Pernambuco, não desesperem”, bate na gente uma simpatia por esse homem provado pela dificuldade desde a infância.
Mais adiante, a foto desperta a reflexão de que a partir dela muitos brasileiros vão retirar do câncer o seu aspecto macabro, definitivo e definidor, como até hoje todos o vemos. O colunista aqui bem conhece a doença, da juventude até hoje em parentes, amigos e numa pessoa próxima demais para o seu gosto. Em todos conhece a via-crúcis, que vai do autoengano à desesperança, até a exclusão voluntária do mundo dos saudáveis. E no entanto, Lula, na foto, está a nos sorrir e nos puxar para cima, “enfrentem, nada está definido, vamos adiante”. Se desse em nada, só a sua imagem deveria receber prêmio dos institutos de oncologia, porque deixa em todos a luz da esperança.
Por fim, é da natureza de uma foto de alguém em tratamento de câncer, dela vêm outras imagens, de Lula no Recife, em Água Fria, lembro:
Súbito houve um estouro, não de fogos, nem de boiada. Houve um rumor que cresceu, que se tornou incontrolável, que mais parecia um orgasmo coletivo. Sofrido, querido e esperado. É Lula! É Lula! Todos gritaram. Os berros se fizeram ouvir mais alto, ensurdecedores. Mulheres, meninos, homens chamavam a atenção do Presidente, queriam chamá-lo, e ele não sabia para que lado se dirigir. Na hora uma idéia tenebrosa me ocorreu: se caísse um raio aqui, todos morreriam felizes. Mas essa idéia não atingiu palavras. Lula veio para o nosso lado. Era ele que avançava para o círculo estreito onde todos lhe queriam tocar a mão. Aos gritos. Aos prantos. Aos empurrões.
A última vez em que vi algo semelhante em Água Fria foi em 1965, no último dia de carnaval. Tocou Vassourinhas e não havia força que contivesse o gozo da multidão em fúria. Lembro. E mais lembro das coisas mais duras da sua vida. Por exemplo, quando o Lula menino pegou da boca de um colega o chiclete mascado. Ou a intensidade da dor de ver a mulher falecer de parto, como tantos pobres do Brasil veem, e jamais têm a sua dor expressa. Não sei por quê, mas no sudeste e sul do país se perdem a dimensão de que Lula, o personagem, o político, é maior que o PT, é maior que o sindicalismo, porque ele vem com a força da história, como uma encarnação da força que o povo tem. Dos muitos severinos, joões, marias e lindus.
Daí que causa espanto o nível de comentários que na imprensa além Nordeste há para a notícia da sua mais recente foto:
“JAMAIS o povo isento desejou a morte de um ex-presidente até desejar a de Lula. Realmente o governo Lula foi um marco na história do Brasil.
Lula: a grade maioria dos brasileiros quer mais é que você vá para o inferno. Abrace o capeta porque Deus desistiu de você faz tempo. Você ferrou com a vida da maioria da população, só ricos se beneficiaram com seu governo... Quero ver você agora enganar o diabo!
O grande medo é que o câncer crie ‘vida’ própria e inteligência, coisa que o hospedeiro não tem, e passe a dominar a situação, e daí a tchurma tem medo de perder a sua boquinha, pois ninguém sabe o que o câncer tem em mente, qual sua ideologia... O consolo é que a gente sabe que o câncer o evolui, mas o mula não...
Tenho pena mesmo é daquele cachorro arrastado pelo dono. Esse aí da foto teve o que merece...”
Ao ler esses comentários raivosos nos sites da imprensa no sudeste, vem na gente a vontade de deixar um conselho: não desejem tanto mal a Lula, porque se as suas pragas pegam, o mal lhes vem em triplo. Quanto mais dramas, problemas ou pequenas tragédias ocorrem a esse homem, mais ele cresce como pessoa e político. Respeitá-lo, gostar da sua história é mais sensato. Não sejam loucos de querer a sua morte morrida ou matada, entre dores, tragédia ou tiros. Pois se tal acontecer, vão ter que conviver o resto das suas vidas com São Lula. Imaginem o que seria render-lhe graças em todos os terreiros e templos do Brasil. Os loucos e raivosos estariam preparados? Melhor desejar a Lula o que a maioria do povo agora deseja: força, eterno Presidente.
* Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici e “Soledad no Recife”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.
Lula, com sua trajetória incomum, modificou vários paradigmas. Vencer o câncer de laringe, será mais uma vitória desse homem marcado para o sofrimento e sucesso em iguais medidas.
ResponderExcluirCâncer...antes uma palavra impronunciável
ResponderExcluirque agora faz parte do meu dia a dia.
Um bicho feio de mil cabeças que espreita os incautos a cada esquina mas que depois de
diagnosticado perde sua força.
Força Lula.
Abraços Ura.
A frase que mais me lembra a trajetória desse homem, que mesmo não tendo sido Presidente da República, já seria grande por todos os seus atributos, é "A ESPERANÇA VENCEU O MEDO", dita logo após sua primeira vitória nas eleições presidenciais. Tenho certeza que ele saberá aplicá-la agora, vencendo mais uma adversidade em sua luta, agora pessoal. Quanto aos comentários maldosos que tanto nos entristece, que haja condescendência Divina em relação à seus autores... e que eles nunca precisem enfrentar um câncer.
ResponderExcluirMuito bem, Marleuza e Núbia. Gostei dos comentários de vocês.
ResponderExcluirQue texto magnífico, Urariano! Não acrescentaria e nem tiraria sequer uma vírgula dele. Você expressou exatamente o que sinto a respeito. Experiente, pelos muitos anos que já vivi, tenho raros ídolos. Lula, todavia, é um deles. Admiro pessoas como nosso ex-presidente que, superando todas as dificuldades (e põe dificuldades!), chegam ao topo do sucesso. Só admiro que haja tanto indivíduo burro e invejoso que nãO veja o imenso valor que esse homem tem. Lula não precisa fazer mais nada. Já tem o nome inserido na história do nosso tempo e não somente no Brasil. Parabéns, Urariano, por sua argúcia e sensibilidade. Reitero: texto excelente este seu.
ResponderExcluirNão consegui comentar antes. Agradeço aos amigos e ao editor Pedro, que além de amigo exagerou na generosidade.
ResponderExcluirAbraços.