quarta-feira, 16 de novembro de 2011







“Mulheres confusas, de guerra e de paz” **


* Por Mara Narciso

Num domingo à tarde aportei em sua casa. Ela estava de jeans descorado, camisa branca de mangas arregaçadas e pés no chão. Levou-me ao varandão do quintal, o seu nicho. Foi lá dentro de uma espécie de almoxarifado e trouxe os quadros, colocando-os no chão, contra a parede. Não sei precisar, mas já se passaram uns cinco meses. Bela, como sempre, com cabelos loiros naturais e revoltos, a artista plástica Conceição Melo fez-me sentir importante. Iniciava uma sequência de telas, com cores vivas, e predominância de laranja e amarelo, cujo tema era mulheres. Queria ouvir a minha opinião sobre os sete ou oito quadros iniciais. Tinha intenção de mostrá-los a Viviane Marques, para ter o parecer de uma crítica de arte, e ouviria a mim por eu ser uma pessoa sensível.
Queria pintar mulheres famosas e anônimas, e enumerou: teria uma Eva, uma noiva, uma prostituta, uma Nossa Senhora Aparecida, uma no divã do analista, uma grávida e outras que haveriam de brotar. A intenção era pintar as muitas mulheres que ela já tinha sido, com um elo comum entre as obras, porém sem agarrar-se ao academicismo, buscando soltar-se da técnica rígida, e aproximar-se dos quadrinhos, com traço mais livre, mais solto. Ela se sentia madura e pronta para essa ousadia. O intuito era agradar-se, sem preocupação em fazer uma arte com estética comercial. Sentia o seu momento como de libertação, pois a família estava criada e não havia aquela febre de antes, aquela urgência de produzir e vender.
Do que vi, dei a minha opinião, e ficamos conversando e tomando café, enquanto ela fumava no gostoso espaço aberto do seu atelier. Mostrou-me fotos de outras exposições, leu textos de cronistas sobre suas pinturas, e falou do seu estado vital que lhe dava coragem de desbravar novos rumos para a sua arte.
Seguindo a sua proposta, ela foi pintar, um pouco a cada dia, porém se enviuvou, e as cores vibrantes da fase anterior escureceram, turvaram-se. Dr. Juliano Arruda conseguiu fazê-la pintar um São Francisco, sua paixão recorrente, numa parede do seu atelier. Enfim, Conceição estava salva. As cores voltaram, e exatas no estado de antes.
Hoje pude rever alguns quadros de meses anteriores e ver os novos que completaram a coleção Mulheres Santas Mulheres. O que é uma mulher santa? O que é uma santa mulher? É curiosa a identidade de cada fase da artista, em temática, cores e pinceladas. Todas as telas dessa etapa têm a mesma marca, diria idêntica impressão digital. Os traços libertos mostram as várias conceições que são apenas uma em seus mistérios, paixões e desejos. É como se todas elas coexistissem e se olhassem uma na cara da outra, talvez sentadas à mesma mesa. São mulheres parecidas nos traços, e no entanto, facilmente identificáveis.
Começa pelas poderosas como Patrícia Amorim, do Flamengo, as presidentes Dilma Rousseff e Cristina Kirchner, passa pelas intelectuais Clarice Lispector e Simone Beauvoir. Estão lá as mulheres alegres do Baile da Felicidade, a prostituta tímida, talvez constrangida, as perdidas (segundo Conceição, as mais procuradas), a analisada, as Nossas Senhoras, e a última, ou melhor, a primeira, uma Eva ao lado das completamente recobertas. Fora o auto-retrato, logo na entrada.
O amplo salão do Centro Cultural Hermes de Paula estava lotado. A comunidade acorreu às centenas para prestigiar a artista plástica. Esfuziante em seu vestido verde e preto tomara que caia, a rainha da festa atendia a todos que a queriam entrevistar. Não gastava muitas explicações, pois a alegria das telas falava por si.
Nem todas são bonitas ou deusas, nem todas são senhoras de si, algumas são posses, outras são livres, umas alegres, outras contritas. Mulheres de todos os feitios e matizes, são de fato as almas da artista, seja ruiva, morena, negra ou loira. São todas e cada uma, grandes e pequenas, ou simplesmente mulheres. Podendo ser todas ou nenhuma, cada mulher (ou homem) pode invadir o mundo de cores vibrantes, e se encantar com as criações de Conceição Melo.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”-

** Verso de Martinho da Vila, em “Mulheres”

4 comentários:

  1. Mulheres, serão sempre um ótimo tema em qualquer
    ramo das artes.
    Ótimo texto.

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  2. A exposição ficou muito interessante. Obrigada pela visita, Núbia!

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  3. Parabéns às muitas mulheres de Conceição Melo e à singular Mara Narciso.

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  4. Sua gentileza e humor são encantadores, Marcelo. Obrigada!

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