segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011


Revolução cubana dá samba

* Por Alípio Freire


Mostrar ao Brasil e ao mundo uma Cuba livre de preconceitos, descortinando sua história, cultura e conquistas sociais. Esse é o objetivo da escola samba de Florianópolis União da Ilha da Magia. Por defender que o Carnaval é não apenas beleza e diversão, mas também informação e momento oportuno para questionamentos, a agremiação desfilará na Festa de Momo com o enredo "Cuba sim! Em nome da verdade". É a primeira vez que a revolução cubana será homenageada numa passarela do samba.
A ideia é aproveitar os 52 anos da revolução cubana, em 2011, e os festejos pelo bicentenário das independências na América do Sul, iniciados em 2010, para exaltar a luta da ilha pela liberdade.
A mais nova escola de samba de Florianópolis, que vai para o sue terceiro ano de desfiles, associa o tema escolhido à função que avalia ser a mais importante em uma agremiação, a de trabalhar a questão da cidadania. Nesse sentido, quer questionar no Carnaval: "qual o preço da liberdade?"
"Este enredo quer mostrar a saga de um povo que sonhou revolução e lutou para conquistar sua independência. A fibra de pessoas simples, alegres, cheias de sonhos e desejos que valorizam o social, o trabalho, a educação, a cultura e o esporte. Um lugar onde se vive sem miséria ou fome e que mantém acesa a chama dos ideais de liberdade, mesmo com todo o sofrimento do bloqueio que lhes é imposto pela “nação” à qual eles tiveram a ousadia de dizer não", diz a sinopse do enredo.
A União da Ilha da Magia, que já está realizando ensaios todas as sextas e domingo, na Praça Bento Silvério, em Lagoa da Conceição, lembra no samba os heróis da ilha, José Martí, Che Guevara e Fidel Castro. Destaca as conquistas de Cuba, mas também não deixa de mencionar os prejuízos do bloqueio norte-americano: "Um preço a pagar, não vou negar/ Mas a comunidade em primeiro lugar", diz a letra da música.
Para preparar o desfile, os diretores da escola, que em 2010 tornou-se vice-campeã, estiveram em Cuba colhendo informações. Se encantaram com o país e se convenceram do tema. Chegaram a convidar uma das filhas de Che Guevara, a médica cubana Aleida Guevara, para a festa.
De acordo com o carnavalesco da escola, Jaime Cezário, o enredo será dividido em quatro setores, quatro alegorias e uma média de 18 alas. A história da ilha está presente nos vários elementos do desfile. As fantasias remetem desde à ditadura e à dominação do Tio Sam, até à nacionalização das empresas estrangeiras, aos tradicionais charutos cubanos e ao culto na Santeria.
"Aproveitando essa data mágica (do bicentenário), quando muitos países irmãos começaram a sonhar em ser livres de dominadores estrangeiros, encontramos um em especial, Cuba, que nos dias de hoje ainda é notícia por seus ideais de liberdade, lutas e conquistas sociais, assim como pelo preço que paga por querer administrar suas terras sem influência de nenhuma potência estrangeira, principalmente da maior delas, os Estados Unidos da América, que além de vizinho, sempre sonhou em fazê-la um paraíso de ricos e milionários", diz a escola.
Veja abaixo o resumo do enredo, que tenta clarear um pouco da visão embaçada que muitos têm sobre Cuba. E, ao final, a letra do samba enredo.


SINOPSE DO ENREDO

Cuba sim! Em nome da verdade

O desejo de liberdade ocasiona histórias admiráveis de homens e nações que sonham em ser livres para conquistar uma sociedade mais equilibrada e justa, sem tantas diferenças entre as classes sociais, onde quase sempre, o povo faz parte da classe dos miseráveis e os que detêm o poder, a dos ricos.

Num cenário como esse, nasceu na ilha de Cuba, no final do século XIX, um poeta que sonhou com liberdade, e através de suas idéias de uma sociedade mais justa, usou a literatura como uma flecha certeira para atingir mortalmente o “poder” que estava sempre alheio aos interesses populares, e iniciar o processo que levará o povo, anos mais tarde, a administrar seu próprio destino: José Martí.

“A liberdade custa muito caro e temos ou de nos resignarmos a viver sem ela ou de nos decidirmos a pagar o seu preço.” José Martí

O poeta fundará o Partido Revolucionário Cubano, plantando sementes importantes no coração do povo, mas que num primeiro instante não consegue atingir seu principal objetivo: um governo livre de interesse de forças estrangeiras. Cuba liberta-se da dominação espanhola, mas obtém essa liberdade com a ajuda dos Estados Unidos da América, seu vizinho mais próximo que sorrateiramente se envolve na guerra pela independência contra Espanha. A independência é conquistada, mas a liberdade lhes é roubada.

Os americanos camuflam atrás dessa nobre atitude, interesses em transformar a ilha de Cuba num grande paraíso para suas empresas e milionários. Começam a apoiar ditadores que sorriem para seus interesses, mas não se preocupam com o bem-estar da população. Cuba se torna a menina dos olhos do Tio Sam, chegando ao ponto de Havana, sua capital, tornar-se o destino mais requintado das Américas e do mundo nos anos 40 e 50, ditando modas e modismos.

“Quem não se sentir ofendido com a ofensa feita a outros homens, quem não sentir na face a queimadura da bofetada dada noutra face, seja qual for a sua cor, não é digno de ser homem” José Martí.

O país que se torna destino mais requintado dos anos 40 e 50, paraíso de ricos e milionários, possui uma população que sofre com os desmandos do poder, vivendo em condições precárias nos centros urbanos, o mesmo acontecendo no campo, onde agricultores e camponeses sofrem com as condições de trabalho.

Um paraíso para poucos e um sofrimento para muitos. Este clima faz surgir no seio do povo o antigo sonho de conquistar um país de justiça social e livre de interferências, mas a ação impiedosa da ditadura tenta abafar esse clamor com mãos de ferro. A insatisfação só aumenta e nos meios estudantis um novo líder surge com idéias de lutar contra a tirania dos governantes e por uma nova sociedade cubana: Fidel Castro.

“Os poderosos podem destruir uma, duas, até três rosas, mas jamais poderão deter a primavera.” Che Guevara.

Em 1952 mais um golpe de estado fez tomar o poder o ditador Fulgêncio Batista. Fulgêncio governará com mãos de ferro e fará aumentar cada vez mais o desejo de mudanças. Fidel se destacará rapidamente entre os insatisfeitos, organizará a resistência contra a ditadura e fará movimentos para derrubá-la. Por essas tentativas, será perseguido, preso e exilado. No exílio no México, será apresentado ao médico argentino Che Guevara que se tornará o maior símbolo da revolução cubana.

Fidel organiza e lidera o movimento guerrilheiro 26 de Julho ou M26, em referência a tentativa de assaltar a maior prisão de presos políticos da ditadura em 26 de julho de 1953. A tentativa é um fracasso e os obrigam a se refugiar na Sierra Maestra. Os rebeldes lentamente se fortalecem, aumentando seu armamento e angariando apoio e o recrutamento de muitos camponeses, intelectuais, estudantes e trabalhadores urbanos insatisfeitos com o rumo da Nação. A luta se intensifica, e mesmo contando com o apoio americano, o ditador Fulgêncio Batista é derrotado em 1959 e foge de Cuba.

“Se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros.” Che Guevara.

A vitória do grupo revolucionário surpreendeu o mundo, pois à época era inimaginável que um grupo de “sonhadores” derrotassem a grande potência econômica e militar. Mas os ideais revolucionários contagiaram o povo cubano. E as idéias e os sonhos venceram as armas.

“Sonha e serás livre de espírito... luta e serás livre na vida.”Che Guevara.

A vitória da revolução faz surgir um governo de orientação socialista e uma das primeiras medidas do novo governo foi nacionalizar as empresas estrangeiras, inclusive as norte-americanas. Esta atitude desagrada o seu poderoso vizinho capitalista que corta relações diplomáticas, facilitando o alinhamento de Cuba com o seu mais temido rival, a União Soviética. Essa aproximação irá gerar muitas confusões diplomáticas, o que culminará no bloqueio vigente até os dias de hoje.

“Os grandes só parecem grandes porque estamos ajoelhados!” Che Guevara.

Apesar do bloqueio e de alguns problemas sociais encontrados pela revolução, as conquistas sociais foram contabilizadas. A maioria da população recebe energia elétrica e tem acesso à água potável e saneamento básico. Os que não são ainda donos de sua moradia pagam aluguéis simbólicos. A taxa de analfabetismo é praticamente zero, assim como a taxa de evasão escolar e o cubano tem acesso a um ensino – desde o fundamental ao universitário – de qualidade e totalmente gratuito. Mas, além de oferecer educação gratuita ao seu povo, o governo cubano acolhe estudantes de mais de 34 países latino-americanos, africanos e do caribe, tanto nos cursos universitários como nos cursos de mestrado e doutorado.

“O conhecimento nos faz responsáveis.” Che Guevara.

O sistema de seguridade social, cujos princípios são os da solidariedade, universalidade e integridade, é um dos mais abrangentes do mundo.

A assistência à saúde em Cuba é comparável aos países mais desenvolvidos. Segundo dispositivo constitucional, o cubano tem direito a prestação gratuita de serviços médicos, hospitalares e odontológicos.

Hoje, mesmo reconhecendo que o país passa por dificuldades econômicas e possui deficiências em alguns setores como as telecomunicações e transportes, os cubanos se orgulham da revolução e dos seus resultados, que vão mais longe do que as medalhas conquistadas nas olimpíadas e nos jogos pan-americanos. O cubano tem grande amor ao seu país e faz questão de registrar que mora no único país latino americano sem favelas.

“A melhor maneira de ser livre é ser culto.” José Martí.

A economia cubana sofreu grande revezes. Com a nacionalização das empresas privadas e o bloqueio americano ficou contando apenas com o apoio da sua grande parceira comercial, a União Soviética que veio a desaparecer nos anos 90, deixando Cuba sem nenhum apoio internacional.

O produto de maior destaque na economia cubana é o açúcar, seguidos pelo tabaco (com destaque para os charutos cubanos que são valorizados no mundo inteiro), a extração do níquel, a pesca, a indústria farmacêutica e a biotecnologia. Na última década o governo vem priorizando o turismo que se tornou grande fonte de divisas e empregos. Os turistas vêm atraídos por suas maravilhosas praias de águas verdes cristalinas e o encantamento das suas cidades que mantêm o clima “retrô” dos anos 50.

“O importante não é justificar o erro, mas impedir que ele se repita.” Che Guevara.

Na cultura, Cuba encanta por sua diversidade. A mistura do africano com o espanhol gerou uma riqueza cultural raramente vista. A música e a dança cubana rompem fronteiras desde o início do século XX, tornando-se conhecida mundialmente. Com a presença marcante na percussão da conga (tambor), destaca-se a rumba, a salsa, o bolero, o chá-chá-chá e a habanera.

Dois terços da população cubana é negra e mestiça. São descendentes de escravos africanos, que levaram para a Ilha suas tradições religiosas, que foram passadas para seus descendentes ao longo da história. O culto mais importante é a Santeria, que funde crenças católicas com a religião tradicional Iorubá. Inicialmente praticada por escravos, ganhou popularidade e se difundiu pelo seu caráter festivo, suas cerimônias e seus Orixás.
Ao longo de 400 anos, a cozinha cubana experimentou sabores que combinavam produtos e costumes de diferentes culturas. Não há como negar a importância da influência espanhola na culinária desta parte do Caribe, assim como o peso das sucessivas levas de escravos africanos. Um prato típico da cozinha tradicional cubana é moros y cristianos, “mouros e cristãos”, que é o arroz com feijão. Outro destaque fica por conta do rum cubano e seus drinks especialíssimos e muito apreciados como a Cuba Libre e o Mojito.

A festa mais popular e animada da ilha de Cuba é o carnaval, com destaque para os de Havana e o de Santiago de Cuba. O carnaval é uma festa espontânea, com música ditada pelo ritmo das congas que são tambores artesanais. Uma música para ser sentida e vivida até o êxtase, um frenesi coletivo. No carnaval cubano o povo participa de diversas maneiras, nas comparsas (blocos), participam integrantes dos bairros e de organismos que se preparam com muito interesse durante o ano todo na confecção de fantasias e de alegorias.

No final dos anos 30 surgiu em Havana, a casa de espetáculos que iria ditar, nos anos 40 e 50, um novo conceito de apresentação de grandes shows, que vai ser imitado por todos: O Cabaré Tropicana. No seu palco os maiores artistas internacionais se apresentaram, dentre essas estrelas, Carmem Miranda.

“Uma pitada de poesia é suficiente para perfumar um século inteiro!” José Martí.

É claro que Cuba tem os seus problemas e não é nenhum paraíso socialista, ainda mais por conviver há cinco décadas com um bloqueio econômico. Entretanto, não podemos deixar de ressaltar e, por que não, admirar esse povo que transformou um país com grande índice de analfabetos e miséria em uma nação que hoje é referência mundial nas artes, nos esportes, na medicina, entre outras áreas, e respeitada pela defesa intransigente de sua soberania e que, apesar de todas as dificuldades, não capitulou e permanece firme em seus ideais revolucionários.

Após os avanços e conquistas sociais alcançados nessas últimas cinco décadas, o povo cubano nunca mais será submisso a qualquer interesse externo, tão pouco abrirá mão dessas conquistas, pois os alicerces sociais estão fincados. Um povo alfabetizado e consciente politicamente não se dobra à força das armas, mas sim à dos ideais.

“Endurecer sem perder a ternura!” Che Guevara.

Em 2011, Cuba comemora 52 anos da Revolução. Aproveitando esta oportunidade, é importante exaltar a luta do povo cubano pela liberdade. Existe uma Cuba que poucos conhecem, e quando descobrem sua cultura, seu povo e principalmente suas conquistas sociais, se encantam. Por este motivo nós, da Escola de Samba União da Ilha da Magia, escolhemos este enredo para o nosso carnaval. Desejamos mostrar ao Brasil e ao mundo que Cuba precisa ser vista com um olhar livre de preconceitos!

Cuba sim! Em nome da verdade.

Jaime Cezário
Carnavalesco


Veja abaixo a letra do samba de enredo:

Cuba sim! Em nome da verdade

Compositores: Júlio Maestri e Vinícius da Imperatriz

Uma forte emoção,
No meu coração...
Liberdade!
Eu sou União
A voz de um povo pela igualdade

Sonhos... de um poeta ecoam no ar
Cuba... o desejo de se libertar
Conquistou a independência
Do Tio Sam sofreu influência
Momentos de luta estão na memória
Fidel e Che fizeram história
Me levam na busca por um ideal
Que vai embalar, nosso carnaval!

Guerreiros unidos na Revolução
Pelo bem de uma Nação
Um preço a pagar, não vou negar
Mas a Comunidade em primeiro lugar

Os sonhos se tornam verdade
Trazendo pra muitos a felicidade
Com saúde, educação
A base pra um cidadão
Esporte, cultura, na arte... mistura
Riqueza, o Mundo se encantou
No Cabaré Tropicana,
Carmem Miranda deu um show!
Ilha de pura Magia
Vem sambar...
Verde, Branco e Ouro
Na Avenida vai brilhar


• Jornalista e escritor

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