sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011




O cachorro

* Por Rodrigo Ramazzini

Um cachorro. Para ser mais exato, o latido do cachorro. Esse foi o motivo que fez balançar a amizade de mais de vinte anos entre os vizinhos Alfredo e Augusto.
Tudo começou há duas semanas, quando Alfredo ganhou do neto um pastor alemão. Desde então, o sossego da rua terminou, principalmente, do Augusto, pois o cachorro foi amarrado nas proximidades do seu quarto.
Mais preciso que relógio suíço, o canino latia de hora em hora. Com um detalhe: começava o “turno” a meia-noite e encerrava às sete da manhã. Durante o dia, o boa vida dormia como um anjo. Nem parecia que havia um animal na casa.
Logo nos primeiros dias, o Augusto reclamou do barulho feito pelo cachorro, mas Alfredo nem deu bola. Disse que ele nem incomodava tanto assim e deixou tudo como estava. Foi o início de uma sucessão de discussões entre os dois.
Passados alguns dias de muitos bate-bocas e latidos, certa noite, para surpresa geral, o silêncio imperou durante a madrugada inteira. Pela manhã, a pergunta que ecoava pela rua era “cadê o cachorro do Alfredo?”, ou melhor, “quem deu um fim no cachorro do Alfredo?
Augusto levantou-se da cama e viu o burburinho na rua. Foi lá conferir. Em meio ao grupo de pessoas estava Alfredo, emocionado, discursando sobre o sumiço e as possíveis maldades que teriam feito com o cachorro, e sobre o principal suspeito de ter praticado tal ato. Obviamente, mesmo sem ter qualquer tipo de prova, Augusto era o principal suspeito. Aliás, já era considerado o autor do “crime” e já poderia começar a providenciar a sua defesa.
Depois da acusação, teve inicio uma grande confusão. Augusto e Alfredo discutiram fortemente e não entraram em vias de fatos porque a turma do “deixa disso” entrou em cena. O tumulto ganhou dimensões inesperadas, com um grupo de pessoas defendendo Augusto e outras, o Alfredo. A Polícia foi chamada e acabou todo mundo parando na delegacia.
Lá, o bate-boca continuou e o delegado precisou interceder para acalmar os ânimos. Mais calmos, quando iriam iniciar a coleta de depoimentos, as esposas de Alfredo e Augusto, inesperadamente, ingressaram na delegacia, pediram a palavra e fizeram uma revelação.

- Fomos nós que demos um sumiço no cachorro! -, declarou a esposa do Alfredo.
- É verdade! Levamos para um canil que o destinará para adoção... -, confirmou a esposa do Augusto.

Silêncio na delegacia. Todos se olharam não acreditando no que tinham acabado de escutar. Elas continuaram:

- Nós conversamos e chegamos à conclusão de que o cachorro estava mesmo perturbando e que iria destruir uma amizade de mais de vinte anos... -, expôs os motivos a esposa do Augusto.
- Assino embaixo! Não poderíamos deixar isso acontecer -, ratificou a esposa do Alfredo.

Silêncio. Então, Alfredo levantou-se e falou para Augusto:

- Tu tinhas razão quando dizia que a minha mulher era metida!
- Ainda bem que tu reconheces! Finalmente...
- Sempre se metendo nos meus assuntos ao longo desses anos...
- Pois é... e o que dizer da minha, hein? Logo agora que eu tinha comprado um cachorro também para latir nos teus ouvidos. Gastei mais de duzentos reais... era para pegá-lo hoje. Ela tinha que me aprontar essa, hein? Me diz o que eu faço agora com o bicho?
- Pois é... Vamos ter que achar outra coisa para nos entreter e implicar um com o outro...

E os dois olharam para as esposas, balançaram a cabeça negativamente e deixaram a delegacia conversando, ficando elas com cara de cachorro sem dono...

• Jornalista

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