A internet e seu feitiço
* Por Mara Narciso
A toda hora notícias de mortes e de assassinatos, no varejo, no atacado, a granel ou no peso são jogadas no colo do leitor/ouvinte. Os maiores números ficam por conta das catástrofes ambientais em lugares atrasados e das guerras entre fortes e fracos. A enxurrada de números grandiosos mais parece um ranking macabro das iniquidades humanas, que é jogada no ontem tão logo surja outra notícia fresca.
Os mortos do Haiti já foram esquecidos. Os da região serrana do Rio saíram do noticiário. Os assassinatos mais vis como filha matando os pais com a ajuda do namorado, ou pai matando a filha com a colaboração da madrasta, traz notoriedade para os autores, que atingem o grau de superstars.
Em todos os lugares há assassinos em potencial e na espreita. O local onde a vítima conhece seu algoz não é fundamental para o intento criminoso. O cartunista Glauco conheceu seu assassino numa igreja. Quem tem por hábito ler reportagens de assassinatos poderá ler: “saí para matar, esse deu azar; eu encontrei ele e matei”.
No dia 12 de fevereiro, um sábado, Janinha Pereira de Freitas, de 37 anos conheceu pessoalmente “Danilo Fernando”, conhecido há 15 dias na internet no site de relacionamentos ParPerfeito. Chegou de ônibus um dia após o combinado. Era para ficar num hotel, mas ficou na casa dela, que morava só, segundo os jornais. Foram vistos juntos, fizeram compras numa padaria, sendo filmados pelas câmeras de segurança. Danilo não teve receio de mostrar o rosto, nem de ser visto ao lado da moça.
Na noite do crime, – claro, haverá um crime –, um casal esteve com eles até tarde da noite. A amiga soube que Janinha não tinha gostado do rapaz, carinhoso e romântico on-line e outra coisa ao vivo. Falou que não levaria adiante o relacionamento, e afirmou que não tinha acontecido nada entre os dois. Segundo os jornais locais, pouco depois da meia-noite, entrando na segunda-feira, dia 14 de fevereiro, um grito ecoou pela vizinhança, e às três horas da manhã cães latiram. A porta da casa de Janinha ficou aberta e o portão foi encontrado fechado. O corpo da moça foi achado pelo irmão, na manhã de segunda-feira, seminu, envolto em um lençol sobre a cama, com marcas de duas pancadas fortes na cabeça, e sinais de estrangulamento por um fio de telefone. Havia mostras de relação sexual recente. A polícia apurou que a moça negou-se a ter relações íntimas com o criminoso e por isso foi estuprada e morta. Objetos da casa foram levados, como laptop, máquinas fotográficas, celulares e dinheiro.
Logo se soube, pela divulgação das imagens do assassino, inclusive no Jornal Nacional, que o nome dele é Danillo Éderson Fernandes, de 28 anos. Trata-se de um fugitivo da justiça, pois consta que já praticou roubos contra outras mulheres em seis estados. Nascido em Ji-Paraná, em Rondônia, é solteiro e morador de São Paulo. Fazia abordagens pela internet, como também em restaurantes e terminais rodoviários. É homem de boa aparência, com um dente escuro na frente, e duas tatuagens no antebraço. Fingia interesse em namoro e roubava as mulheres no primeiro encontro. Elas o aceitavam, e como Janinha não quis, foi morta.
A vítima era muito conhecida na cidade de Montes Claros, sendo secretária da Faculdade de Ciência e Tecnologia - FACIT, e estudava psicologia. Consta que estaria fazendo um estudo sobre os relacionamentos iniciados na web. Além do crime em si, o que escandalizou as pessoas comuns foi a aparente ingenuidade da secretária em receber como hóspede uma pessoa que mal havia conhecido.
Em cima do que foi noticiado, o assassino saiu de São Paulo para Minas, e teria viajado 1.100km, assim confiava no anonimato e na possível impunidade. Houve excesso de confiança da vítima? Parece que sim, e depois do ato consumado, muitos têm algo a dizer, e até fazem censuras. O que fica é o pedido de punição exemplar, e nisso, a divulgação da foto do assassino pela internet será imprescindível.
Questões poderão ser levantadas: qual o motivo dos conhecimentos travados pela internet despertarem tanto interesse e confiança? Caso a secretária tivesse conhecido o seu assassino na rua, sem nenhuma referência, o teria levado para se hospedar em sua casa? Que mágica existe dentro dessa tela com luz brilhante e um mundo virtual por trás dela que transforma alguém esperto em alvo ingênuo? Como se dá o efeito hipnótico desse meio de comunicação? O que faz as pessoas ficarem frágeis, se expondo mais do que se exporiam ao vivo, quando a história começa na web? Por que há uma mobilização tão forte quando o chamamento se dá pelo mundo virtual? Onde estaria a força mágica e irresistível da internet? Estamos preparados para ela? Mistério. Caso seja assim, a ciência logo explicará o cerne da nossa vulnerabilidade.
* Médica, jornalista e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”.
* Por Mara Narciso
A toda hora notícias de mortes e de assassinatos, no varejo, no atacado, a granel ou no peso são jogadas no colo do leitor/ouvinte. Os maiores números ficam por conta das catástrofes ambientais em lugares atrasados e das guerras entre fortes e fracos. A enxurrada de números grandiosos mais parece um ranking macabro das iniquidades humanas, que é jogada no ontem tão logo surja outra notícia fresca.
Os mortos do Haiti já foram esquecidos. Os da região serrana do Rio saíram do noticiário. Os assassinatos mais vis como filha matando os pais com a ajuda do namorado, ou pai matando a filha com a colaboração da madrasta, traz notoriedade para os autores, que atingem o grau de superstars.
Em todos os lugares há assassinos em potencial e na espreita. O local onde a vítima conhece seu algoz não é fundamental para o intento criminoso. O cartunista Glauco conheceu seu assassino numa igreja. Quem tem por hábito ler reportagens de assassinatos poderá ler: “saí para matar, esse deu azar; eu encontrei ele e matei”.
No dia 12 de fevereiro, um sábado, Janinha Pereira de Freitas, de 37 anos conheceu pessoalmente “Danilo Fernando”, conhecido há 15 dias na internet no site de relacionamentos ParPerfeito. Chegou de ônibus um dia após o combinado. Era para ficar num hotel, mas ficou na casa dela, que morava só, segundo os jornais. Foram vistos juntos, fizeram compras numa padaria, sendo filmados pelas câmeras de segurança. Danilo não teve receio de mostrar o rosto, nem de ser visto ao lado da moça.
Na noite do crime, – claro, haverá um crime –, um casal esteve com eles até tarde da noite. A amiga soube que Janinha não tinha gostado do rapaz, carinhoso e romântico on-line e outra coisa ao vivo. Falou que não levaria adiante o relacionamento, e afirmou que não tinha acontecido nada entre os dois. Segundo os jornais locais, pouco depois da meia-noite, entrando na segunda-feira, dia 14 de fevereiro, um grito ecoou pela vizinhança, e às três horas da manhã cães latiram. A porta da casa de Janinha ficou aberta e o portão foi encontrado fechado. O corpo da moça foi achado pelo irmão, na manhã de segunda-feira, seminu, envolto em um lençol sobre a cama, com marcas de duas pancadas fortes na cabeça, e sinais de estrangulamento por um fio de telefone. Havia mostras de relação sexual recente. A polícia apurou que a moça negou-se a ter relações íntimas com o criminoso e por isso foi estuprada e morta. Objetos da casa foram levados, como laptop, máquinas fotográficas, celulares e dinheiro.
Logo se soube, pela divulgação das imagens do assassino, inclusive no Jornal Nacional, que o nome dele é Danillo Éderson Fernandes, de 28 anos. Trata-se de um fugitivo da justiça, pois consta que já praticou roubos contra outras mulheres em seis estados. Nascido em Ji-Paraná, em Rondônia, é solteiro e morador de São Paulo. Fazia abordagens pela internet, como também em restaurantes e terminais rodoviários. É homem de boa aparência, com um dente escuro na frente, e duas tatuagens no antebraço. Fingia interesse em namoro e roubava as mulheres no primeiro encontro. Elas o aceitavam, e como Janinha não quis, foi morta.
A vítima era muito conhecida na cidade de Montes Claros, sendo secretária da Faculdade de Ciência e Tecnologia - FACIT, e estudava psicologia. Consta que estaria fazendo um estudo sobre os relacionamentos iniciados na web. Além do crime em si, o que escandalizou as pessoas comuns foi a aparente ingenuidade da secretária em receber como hóspede uma pessoa que mal havia conhecido.
Em cima do que foi noticiado, o assassino saiu de São Paulo para Minas, e teria viajado 1.100km, assim confiava no anonimato e na possível impunidade. Houve excesso de confiança da vítima? Parece que sim, e depois do ato consumado, muitos têm algo a dizer, e até fazem censuras. O que fica é o pedido de punição exemplar, e nisso, a divulgação da foto do assassino pela internet será imprescindível.
Questões poderão ser levantadas: qual o motivo dos conhecimentos travados pela internet despertarem tanto interesse e confiança? Caso a secretária tivesse conhecido o seu assassino na rua, sem nenhuma referência, o teria levado para se hospedar em sua casa? Que mágica existe dentro dessa tela com luz brilhante e um mundo virtual por trás dela que transforma alguém esperto em alvo ingênuo? Como se dá o efeito hipnótico desse meio de comunicação? O que faz as pessoas ficarem frágeis, se expondo mais do que se exporiam ao vivo, quando a história começa na web? Por que há uma mobilização tão forte quando o chamamento se dá pelo mundo virtual? Onde estaria a força mágica e irresistível da internet? Estamos preparados para ela? Mistério. Caso seja assim, a ciência logo explicará o cerne da nossa vulnerabilidade.
* Médica, jornalista e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”.
É, Mara. Como dizia o meu saudoso pai, a internet devia se chamar infernet. Não sem razão, como bem demonstra seu texto. Parabéns e um grande abraço.
ResponderExcluirAs comunicações radiotelegráficas (CW) ou Fonia (SSB), geralmente era uma decepção quando os(as) radiotelegrafistas se conheciam pessoalmente.
ResponderExcluirJaneiro deste ano, uma estudante... contou que desativou a marcação de fotos do Orkut. Como bem disse o gerente de marketing Cristiano Andrade: "Não há como separar por completo o físico do jurídico nas mídias sociais."
Resumo do segundo cap.do livro "Drogas & Crimes":
II
- Todos nós somos assassinos em potencial – generalizando, dizia Getúlio aos seus amigos investigadores de polícia. Sem querer dizer que havia lido o manuscrito de Hercole Poirot – “Cai o pano” de Agatha Christie: .... Todo mundo é um assassino em potencial. Em todo mundo surge, de vez em quando, o desejo de matar, ainda que não a vontade de matar. Quantas vezes você já não sentiu ou ouviu as pessoas dizerem: “Ele me deixou tão furioso que poderia mata-lo”; “Eu poderia ter matado D por ter dito tal a tal coisa”; “Eu estava com tanta raiva que poderia tê-lo estrangulado”. E todas essas afirmações são, literalmente, verdadeiras. A nossa intenção nesses momentos é bastante clara. Você gostaria de matar fulano. Mas você não o faz. Sua vontade tem de estar de acordo com o seu desejo. Em crianças pequenas, o freio ainda não funciona bem. Conheci uma criança que, irritada com seu gatinho, disse: “Fica quieto ou eu te bato na cabeça e te mato” e matou mesmo, para depois ficar atônita e horrorizada quando tomou consciência de que o gatinho não voltaria a viver, porque, você vê, na realidade a criança adora o gatinho.
Pois então, somos todos assassinos em potencial...”
- Eu mesmo não sou assassino – disse fulano.
(...)"
A internet leva ao crime pela facilidade de uma pessoa se passar por por outra, e pela falsa certeza de que tudo ficará impune. Mas nem sempre é assim. A rede pode induzir ao crime, mas também o desvenda em alta velocidade. Todos estão ligados. Em poucos dias o suspeito foi identificado, e hoje, dia 23 de fevereiro, nove dias após o crime, o rapaz foi preso em São Paulo, e encaminhado para Belo Horizonte. Logo teremos notícias do julgamento.
ResponderExcluirMarcelo e Calvino, obrigada pelos comentários!