sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011




Como explicar?



* Por Rodrigo Ramazzini

Noite. No banheiro, Cássio tomava banho tranquilamente, cantarolando baixinho um sucesso popular, quando a esposa entrou para perguntar sobre a roupa.

- Amor!
- Oi...
- Essa tua calça está suja?
- Acho que sim...
- Posso pegar?
- Pra quê?
- Pra lavar, óbvio...
- Ah, tá! Claro... Pega aí!
- Está cheio de papel nos bolsos... O que eu faço com eles?

Nesse momento, ao lembrar-se do que tinha dentro do bolso, a água do chuveiro que era quente, pareceu de um cortante gelo ao cair sobre Cássio...

- Hã... Hã...

Oito horas e trinta e cinco minutos antes. Chovia. Na hora do almoço, no setor de informática da empresa onde Cássio trabalha, tocou o telefone.

- Help-Desk, Cássio!
- Cássio, é a Mirella, tudo bem?
- Qual das Mirella: RH ou compras?
- RH!
- Oi, mulher! Não reconheci a tua voz. Está diferente... Tudo bem sim! E contigo?
- Mais ou menos. Estou com uma dor de garganta, que vou te contar...
- Putz!
- Pois é!
- Mas o que manda?
- Já foi almoçar?
- Estou indo... por quê?
- Precisava de um favor...
- Fala...
- Não tem ninguém aqui e eu não quero sair nessa chuva, se não vou piorar. Tem como tu passar em algum lugar e inserir uns créditos no meu celular? Depois eu te pago...
- Claro! Só tem um problema...
- Qual?
- Diz o número aí! É que eu esqueci o meu celular em casa...
- Sempre com a cabeça na lua, hein?
- Pior...
- 99...
- Espera!
- O quê?
- Não acho um papel para anotar...
- Achou?
- Não...

“Ô Carol anota pra mim aí o número da Mirella, por gentileza. Estou sem papel de rascunho...”

- Fala, Mirella! Não achei um papel, mas a estagiária aqui vai anotar... Canta!
- 99...
- 99...
- 64...
- 64...
- 99
- 99
- 99
- 99... pronto?
- Mais alguma coisa?
- Não! Não! Era isso mesmo. Depois à tarde tenho que ir até aí e te dou o dinheiro...
- Tranqüilo... Até mais!
- Até mais e muito obrigado! Fico te devendo essa...
- Que nada! Tchau, beijo!
- Beijo!

Cássio pegou o bilhete escrito pela estagiária, com as letras do nome da Mirella e os números do telefone rabiscados com a delicadeza e capricho que só uma mulher sabe fazer. O colocou no bolso da calça e de lá ele não saiu o resto do dia. Inclusive, ele se esqueceu de fazer o favor para a Mirella.

De volta ao banheiro.

- Hã... Deixa eu ver... pode colocar no lixo esses papeis...
- Todos?
- Sim...

Silêncio. Cássio fechou os olhos, deixou a água cair sobre a sua cabeça, e esperou o grito da esposa perguntando o que era aquele bilhete e quem era Mirella. Silêncio. Mil possíveis desculpas passaram-lhe pelos pensamentos. Como explicar? Questionou-se. Um bilhete com nome e número de telefone de mulher. Como explicar que não era nada? Questionou-se novamente. Nunca que ela acreditaria na história dos créditos do celular. Silêncio. Segundos de apreensão... Foi quando ele escutou o barulho da esposa fechando a porta do banheiro...
Cássio fechou o chuveiro e trancou a porta. Angustiado, “voou” na lixeira. Remexeu dentre os papeis e lá ainda estava o bilhete. Suspirou aliviado. Ufa!Foi por pouco, hein? Pensou.
Recuperado do susto, ele pegou o bilhete, jogou-o na privada e puxou a descarga, dizendo para si mesmo: “como sou distraído, meu Deus!”


• Jornalista

2 comentários:

  1. Melhor não arriscar. Há tempos ninguém decora telefone de ninguém, e para isso utiliza-se a agenda eletrônica e está feito. Quem tem algo a esconder tem de criar o hábito de deletar todas as chamadas do dia, o que se torna um novo cacoete. O texto prendeu minha atenção de forma clara. Escrever diálogo é difícil demais, e este ficou convincente.

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