quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011


Espelho da consciência


A consciência é uma espécie de espelho, ao qual recorremos com freqüência muito menor do que a desejável e apenas quando nos consideramos moralmente “belos”. Ou seja, quando achamos que somos nobres, justos e bondosos. Em caso contrário... evitamo-la (embora a tenhamos sempre, em toda a sua plenitude). E quando sentimos algum remorso, que é um dos aspectos da consciência (que nos acusa de termos agido mal com alguém), buscamos logo nos livrar dele, calando sua voz por todos os meios que conhecemos ou procurando justificar atos que sejam injustificáveis..
Deveríamos, contudo, consultá-la diariamente, como fazemos, aliás, com os espelhos de verdade. Afinal, é ela que reflete, com exatidão, aquilo que realmente somos e que sabemos ser. Podemos, portanto, enganar o mundo todo, menos a nós mesmos. Ainda assim...
Há duas concepções fundamentais para o conceito de consciência. Uma é o seu sentido moral. Outra – adstrita aos campos da filosofia, psicologia, neurologia e ciência cognitiva – refere-se à subjetividade, à sentiência, à sapiência e à nossa capacidade de perceber a relação entre nós e o ambiente. Alguns filósofos dividem-na em “fenomenal” – ou seja, a experiência propriamente dita – e “de acesso” – ao se estar absolutamente ciente de algo (das palavras deste texto, por exemplo).
Para definir consciência moral, que é o que me interessa nestas considerações, recorro, de novo, à enciclopédia eletrônica Wikipédia (que me socorre, invariavelmente, nas horas de apuro e de necessidade). Claro que não tenho a pretensão de esgotar o assunto, com suas inúmeras nuances e variáveis, e nem sequer esboçá-lo. Se pretendesse, o caminho indicado seria o de escrever, no mínimo, um alentado ensaio, e não este incipiente texto.
A Wikipédia define esse conceito como “a capacidade do homem de conhecer não apenas valores e mandamentos morais, mas de aplicá-los em diferentes situações”. Consiste, pois, na nossa capacidade de observar nossa própria conduta e formular juízo sobre os atos praticados, se são bons ou maus, tanto os do passado quanto do presente e também os que pretendemos praticar no futuro.
Feito esse julgamento, temos condições plenas de escolher, entre as circunstâncias possíveis, nosso próprio caminho na vida. É o que se conhece como livre-arbítrio. Ou seja, escolha feita com pleno conhecimento das conseqüências e implicações. Em palavras mais simples e diretas, consciência pode ser definida como “sentimento ou percepção do que se passa em nós”.
Conclui-se que não se sustenta a alegação de algumas pessoas, quando cometem atos condenáveis e prejudiciais a si mesmas e, principalmente, ao próximo, de que “não sabiam o que estavam fazendo”. Tinham, sim, plena ciência disso e ainda assim optaram por violar normas morais e, não raro, legais.
O pretexto de que estavam embriagadas, por exemplo, no momento do cometimento do ato, apresentado por alguns, igualmente não encontra sustentação nos fatos. Por maior que seja o nível de embriaguez de alguém, sempre resta um lampejo de consciência, por mínimo que seja, que lhe permite distinguir o certo do errado.
Ocorre que consultamos pouco nossa silenciosa, mas onipresente, voz interior, antes de agir e, quando o fazemos, é somente quando temos a absoluta convicção de que nossos atos foram construtivos, nobres, solidários e, portanto, moralmente louváveis. Nessas ocasiões nem era necessária tal consulta, convenhamos.
Machado de Assis fez uma constatação bastante lúcida, pertinente e interessante a esse propósito, no romance “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Escreveu: “Por que é que uma mulher bonita olha muitas vezes para o espelho, senão porque se acha bonita, e porque isso lhe dá uma certa superioridade sobre uma multidão de outras mulheres menos bonitas ou absolutamente feias? A consciência é a mesma coisa; remira-se, amiúde, quando se acha bela. Nem o remorso é outra coisa mais do que o trejeito de uma consciência que se vê hedionda”. E ele não está certo?
Considero essa atitude como uma espécie de “narcisismo moral”, o que não deixa de ser, paradoxalmente, uma distorção de caráter, mesmo em se praticando o que é bom, elogiável e moralmente recomendado. Devemos consultar esse “espelho” não somente depois da ação, mas principalmente antes, e estarmos atentos ao o que ele nos mostrar.
Prevenir o mal, óbvio, é muito mais sábio, proveitoso e prático do que admiti-lo e, principalmente, do que se arrepender de havê-lo praticado ou, pior, do que não fazer nem isso, mas buscar justificativas esfarrapadas para o injustificável e não agir positivamente para reparar os danos e prejuízos causados aos outros (e, não raro, a si mesmo).

Boa leitura.

O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk

Um comentário: