terça-feira, 22 de fevereiro de 2011




Véu

* Por Evelyne Furtado



Contemplou sua imagem ajustando o ângulo até se gostar. Satisfeita ousou um pouco mais e seu reflexo já não era o mesmo. Repudiou-lhe um esgar.
Novo ajuste na expressão facial em busca da face serena que encontrou. Achou também o olhar misterioso e nele mergulhou impetuosamente.
Viu-se, então, em uma casa de espelhos: O anjo de asas quebradas, a bruxa no auto de fé, a ingênua do teatro mambembe, a quase sofisticada, a menina trêmula, a fêmea dócil e a voluntariosa.
Um véu a desvendar-lhe olhares. Unhas dos pés em esmalte vermelho. Deleites e alma torturada. Boca cor de boca. Espartilhos a perfurar-lhe entranhas provocando desmaios. Um sorriso manso ao retornar.
Uma vontade de ferro em busca de ombros gentis. Uma corrida louca para fugir da cansativa razão. A cegueira consciente e a verdade inconsciente da qual puxava um fio a cada noite
Em cada tentativa um novo afogar. Há muita água nesse mar e mar não tem cabelos, dizia-lhe o pai para alertá-la. O que de muito lhe valeu. Mas de muito não lhe valeu, pois continua a fiar, mesmo quando cansa de a si mesma olhar.

• Poetisa e cronista de Natal/RN

3 comentários:

  1. Um véu que desvenda ângulos e expressões insuspeitas. Que é da personagem e de todos nós. Prosa poética de alta qualidade. By Evelyne, naturalmente. Um beijo e parabéns.

    ResponderExcluir
  2. Enigma dos enigmas até para a personagem de múltiplas faces e comportamentos. Ela que bem se conhece, acaba se desconhecendo. O véu esconde e o espelho mostra. Fiando entre extremos de prazer e dor, vai tentando descobrir quem foi, quem é e quem poderá ser.

    ResponderExcluir
  3. ...uma viagem pelo inconsciente feminino em diferentes épocas, talvez.Beijos e obrigada, Marcelo e Mara.

    ResponderExcluir