quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011







Arte da dúvida

* Por Pedro J. Bondaczuk

A educação é o único caminho para a correção de graves distorções de comportamento, geradoras de violência, tensões, guerras, injustiças de toda a sorte, desigualdades sociais etc., que transformam a vida cotidiana em permanente sobressalto e inibem nossas melhores potencialidades. Essa afirmação é pacífica e consensual. Não há quem não concorde com ela, seja político, educador, jornalista, economista, antropólogo, filósofo etc.
Candidatos de todos os partidos, das mais variadas ideologias, que postulam os mais diversos cargos do Legislativo e do Executivo, dão ao tema absoluta prioridade, pelo menos nominal, em seus discursos de palanque, embora depois de eleitos pouco ou nada façam de efetivo para universalizar esse direito fundamental de qualquer pessoa. E quando fazem qualquer coisa, incorrem num erro essencial. Ou seja, confundem educação com mera alfabetização, adestramento, instrução. Não se dão, sequer, ao trabalho de consultar um dicionário qualquer para conhecer sua real significação, natureza e abrangência.
Tenho apontado, insistido, e reiterado, vezes sem conta, sobre as implicações negativas que esse erro implica. Educação, de acordo com mestre Aurélio, é o “processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral do ser humano; civilidade; polidez”. Deve ter, portanto, não apenas um único agente, no caso o professor, mas vários outros, como os pais, os sacerdotes, os jornalistas, os escritores etc.etc.etc. É um processo contínuo, permanente, ininterrupto, que começa logo após o nascimento e não se encerra (como equivocadamente alguns pensam), com a mera colação de grau, com a obtenção de variados diplomas, das diversas fases de ensino, mas apenas com a nossa morte.
Para o filósofo norte-americano Will Durant, que registrou sua constatação no livro “Filosofia da Vida”, (um clássico do gênero), educação é o “simples progresso da arte da dúvida”. Essa, pelo menos, é sua gênese, que remonta ao nosso primitivo ancestral, tão logo tomou consciência da própria existência e do universo que o rodeava.
As dúvidas que o assaltavam, o levavam a experimentações, a indagações, a constatações, a novas perquirições, formando, dessa maneira, um imenso círculo-vicioso, que realimentava continuamente o processo. Ou seja, cada descoberta conduzia a uma nova dúvida, que por sua vez levava aquele homem primitivo a novas indagações e experiências e, assim, sucessivamente. Dessa forma nasceram a linguagem, os costumes, a escrita, a moral, as leis, a cultura, as artes, a filosofia e todo o conhecimento que integra o patrimônio da humanidade.
Escrevi, recentemente, sobre o assunto, ao abordar a questão da violência no País e concluí que parte considerável dela se devia a um sistema educacional deficiente, que peca, principalmente, em sua filosofia e em seus objetivos. E indaguei: “Para o quê, por exemplo, educamos nossa juventude? Para a mera conquista desse conceito vago, chamado sucesso? Para que os educandos ganhem bastante dinheiro nas profissões que escolherem e consumam o máximo que puderem, sem reflexão ou pudor? Para a mera formação de mão-de-obra especializada para o sistema produtivo? Ou para a realização de valores e de ideais que devem ser permanentes, como igualdade, justiça, solidariedade, cooperação etc.etc.etc?”. Seguramente, para esta última opção que coloquei, são raras as pessoas e entidades que estão educando (e se educando) nos dias que correm.
Peço licença ao paciente leitor para citar um trecho do livro “Filosofia da Vida”, em que Will Durant apresenta uma das melhores definições que já li sobre esse conceito tão mal entendido, embora tão essencial (individual e coletivamente): “Educação não significa tirar diplomas de perícia em comércio, em mineração, em botânica, em jornalismo, ou epistemologia; significa, através da absorção da herança moral, intelectual e estética da raça humana, alcançarmos o controle tanto de nós mesmos como do mundo exterior; significa escolhermos o melhor como o associado do nosso corpo e do nosso espírito; significa aprendermos a adicionar a cortesia à cultura, a sabedoria ao conhecimento e a indulgência à compreensão. Quando produzirão nossos colégios homens assim?”.
A indagação de Will Durant, há tempos, é a minha também. E estendo-a um pouco além: Quando os pais, os professores, os líderes religiosos, os intelectuais, os filósofos, os jornalistas etc., enfim, a sociedade, produzirão homens assim?. Sim, quando?
Estas reflexões ficariam incompletas sem a devida contextualização. Para tanto, recorro a outra citação (e que me perdoem os meus críticos, que condenam esse meu procedimento, de recorrer, quando necessário, às luzes de pessoas muito mais sábias e competentes do que eu), desta vez do educador Paulo Freire, que constatou, em seu livro “Pedagogia da Indignação” (Editora Unesp): “Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”. Mas, aduzo e reitero: educação considerada em seu real significado e não, meramente, alfabetização, instrução e/ou adestramento. Voltemos, pois, a exercer plenamente a arte da dúvida dos primórdios da civilização!!!

* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk

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O que comprar:

Cronos e Narciso (crônicas, Editora Barauna, 110 páginas) – “Nessa época do eterno presente, em que tudo é reduzido à exaustão dos momentos, este livro de Pedro J. Bondaczuk reaviva a fome de transcendência! (Nei Duclós, escritor e jornalista). –
Preço: R$ 23,90.

Lance fatal
(contos, Editora Barauna, 73 páginas) – Um lance, uma única e solitária jogada, pode decidir uma partida e até um campeonato, uma Copa do Mundo. Assim como no jogo – seja de futebol ou de qualquer outro esporte – uma determinada ação, dependendo das circunstâncias, decide uma vida. Esta é a mensagem implícita nos quatro instigantes contos de Pedro J. Bondaczuk neste pequeno grande livro. –
Preço: R$ 20,90.

Como comprar:

Pela internet
WWW.editorabarauna.com.br – Acessar o link “Como comprar” e seguir as instruções.
Em livraria – Em qualquer loja da rede de livrarias Cultura espalhadas pelo País.

Um comentário:

  1. Educar para formar, trabalhar e ganhar dinheiro é pouco, principalmente quando atrelado ao consumo poluidor. Então, para quê nos educar? A prática da ética e do respeito está tão escassa. Sem contar as injustiças das quais muitos são vítimas. Cada qual que encontre os seus motivos.

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