sábado, 19 de fevereiro de 2011


Mariana Arraes e

a vida das árvores

* Por Luiz Carlos Monteiro


Nas grandes urbes de cimento armado, pode causar estranheza a fala que privilegia a permanência do verde e da vida das árvores. A dicção assim aflorante passa a sugerir uma espécie de fragmentação discursiva, repartida entre a práxis da atitude ecológica e os eventos da linguagem poética. A primeira se ramifica na urgência restauradora do verde, que agora ninguém se atreve a ignorar. A segunda privilegia os ventos da poesia, a poesia sem outra finalidade que não ela própria, sem se pensar nem mesmo nas suas possíveis ressonâncias mundo afora.
Inclui-se nessa segunda categoria o livro de Mariana Arraes, A vida das árvores. Publicado no Recife pela editora Carpe Diem, no outono de 2010, traz prefácio de Lourival Holanda. A poesia assume aqui o seu discurso mais corajoso, aquele que padece da sua própria originalidade, talvez por renunciar aos temas de maior absorção e suposto valor midiático. Entretanto, a aparição de uma poesia constituída de leveza e do sublime, além de acessível sem facilidades, mostra-se altamente benéfica para quem tiver oportunidade de conferi-la.
O mundo natural se estratifica em coisas e essências sutis, provocando o tempo todo surpresas e espantos, às vezes não visíveis a olhos cegos pelo excesso das vigílias. É como se a simplicidade profunda e essencial do olhar não dispensasse a observação da crosta e da casca externas de árvores, fontes, pássaros e flores que povoam casas, parques, praças e jardins. Para melhor compreensão do que nelas, árvores, flores e fontes, se incorpora como cerne e miolo, como o que se esconde das visadas mais superficiais, opacas e indiferentes.

A vida das árvores contém alguns poemas que revelam a experiência pessoal e familiar da autora em outros países. Contudo, as temáticas de base são preservadas com vigor e naturalidade. Um exemplo eficaz é o poema ´Alegria do ciclo`: 'Hoje, no parque,/ Ao se destacarem das árvores,/ Folhas amarelas voaram o voo mágico do desprendimento,/ Deixando fluir o ciclo da vida// De mim, desprendeu-se/ O peso do passado,/ Minha alma revelou-se/ Por entre as árvores,/ E percebi nas flores o sorriso das fadas'. Entre outras coisas, tais versos traduzem a fruição da infância, a busca de harmonia e comunhão com a natureza e os seres, o ludismo que envolve a descoberta da vida simples em ocasiões e instantes específicos que talvez somente a poetisa tenha captado.

* Poeta, crítico literário e ensaísta, blog www.omundocircundande.blogspot.com

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