“E se piedade vos sobrar...”
* Por Mariella Augusta
Bom, não sei se os leitores sabem o quanto é difícil escrever. Alguns teóricos acham que é trabalho exaustivo, mas que tem lá seus cinco por cento de inspiração. Vejamos bem: cinco por cento de inspiração sobram noventa e cinco para a faina.
Por que me sinto tão vazia hoje? O que falta? Os noventa e cinco ou os cinco?
Acho que sem os cinco nada valem os noventa e cinco. Não se escreve por escrever. Os tais cem por cento é que fazem um bom discurso. Pensei em falar da paixão de Cristo mas tenho um ótimo conto no prelo para isso. Então não posso tirar de uma obra para uma coluna. Por que? Diferente dos gloriosos dias de um Brasil que lia bem seus bons jornais, hoje nossos periódicos não passam de fofoca e picuinhas. Portanto não posso falar de Cristo “onde Deus está em mais quantidade” segundo o santo Espinosa.
Pensei em falar na angústia de um pai que por negligência matou seu filho nessa ultima semana – asfixiado e esquecido num carro. Mas isso é assunto demasiado mórbido, e a culpa de um ser humano não pode ser expiada nas folhas de um jornal ou numa crônica da famigerada e amada a um só tempo – internet.
A isto me segue um pensamento: do que tratam os jornais? Do que os jornalistas querem falar ou do que precisam falar ou do que vende mais?
A culpa da humanidade, a culpa de um pai que perdeu um filho? Que tom usam para essas tragédias? As redações escondem algum Ésquilo, algum Sófocles? Como podem ditar aos costumes, suas mal pregadas linhas de um casaco que espalham aos corpos nus dos leitores do dia? Protegem-nos do frio? Avisam-nos sobre perigos ou simplesmente escandalizam?
Se atentarmos para nossos maiores cronistas (a meu ver: Machado de Assis, Nelson Rodrigues e Antonio Maria) vemos o quanto estão preocupados com seus leitores e fazer arruaça não é bem o propósito.
A crônica se transformou em gênero menor, porque os cronistas são menores.
Inventariam os dias de forma superficial, como se os dias não fossem uma sucessão de dias e homens presos num grande “Projeto”. Os fatos são narrados e erra-se um pouco na nota jurídica, na nota da economia (ciência bastante complicada) e sobretudo erram nos valores. Reclamam de forma mitigada do insuportável a qualquer ser humano de boa educação e índole. E quando escrevem bem, o que é raro, gostam apenas de criar frases de efeito e se deliciar porque têm uma gritante notícia. Assim, alimentam suas minuciosas vaidades.
No começo de sua carreira, Machado de Assis fez uma louvação ao Jornal: “O jornal apareceu, trazendo em si o gérmen de uma revolução. Essa revolução não é só literária, é também social, é econômica, porque é um movimento da humanidade abalando todas as suas eminências, a reação de espírito humano sobre as fórmulas existentes do mundo literário, do mundo econômico e do mundo social.(...) o jornal é uma expressão, um sintoma de democracia; e a democracia é o povo, é a humanidade”.
Assim exposto, requer de Vossas Senhorias que façam seu melhor. A exemplo do que disse o Gênio, vocês têm a famosa faca e o queijo nas mãos. Por Zeus, façam valer. Ajudem-me nos meus cinco por cento. Eduquemos, não façamos troça. Porque o resto é a humanidade e se Nietzsche prescindia dela, nós não.
* Bacharel em Direito, mestranda da FFLCH (USP), escritora, autora de “O Fio de Cloto”, livro de contos prefaciado por Bruno Fregni Basseto, grande filólogo e vencedor do Prêmio Jabuti. Publicou crônicas no “Jornal das Artes” e artigos em várias revistas acadêmicas.
* Por Mariella Augusta
Bom, não sei se os leitores sabem o quanto é difícil escrever. Alguns teóricos acham que é trabalho exaustivo, mas que tem lá seus cinco por cento de inspiração. Vejamos bem: cinco por cento de inspiração sobram noventa e cinco para a faina.
Por que me sinto tão vazia hoje? O que falta? Os noventa e cinco ou os cinco?
Acho que sem os cinco nada valem os noventa e cinco. Não se escreve por escrever. Os tais cem por cento é que fazem um bom discurso. Pensei em falar da paixão de Cristo mas tenho um ótimo conto no prelo para isso. Então não posso tirar de uma obra para uma coluna. Por que? Diferente dos gloriosos dias de um Brasil que lia bem seus bons jornais, hoje nossos periódicos não passam de fofoca e picuinhas. Portanto não posso falar de Cristo “onde Deus está em mais quantidade” segundo o santo Espinosa.
Pensei em falar na angústia de um pai que por negligência matou seu filho nessa ultima semana – asfixiado e esquecido num carro. Mas isso é assunto demasiado mórbido, e a culpa de um ser humano não pode ser expiada nas folhas de um jornal ou numa crônica da famigerada e amada a um só tempo – internet.
A isto me segue um pensamento: do que tratam os jornais? Do que os jornalistas querem falar ou do que precisam falar ou do que vende mais?
A culpa da humanidade, a culpa de um pai que perdeu um filho? Que tom usam para essas tragédias? As redações escondem algum Ésquilo, algum Sófocles? Como podem ditar aos costumes, suas mal pregadas linhas de um casaco que espalham aos corpos nus dos leitores do dia? Protegem-nos do frio? Avisam-nos sobre perigos ou simplesmente escandalizam?
Se atentarmos para nossos maiores cronistas (a meu ver: Machado de Assis, Nelson Rodrigues e Antonio Maria) vemos o quanto estão preocupados com seus leitores e fazer arruaça não é bem o propósito.
A crônica se transformou em gênero menor, porque os cronistas são menores.
Inventariam os dias de forma superficial, como se os dias não fossem uma sucessão de dias e homens presos num grande “Projeto”. Os fatos são narrados e erra-se um pouco na nota jurídica, na nota da economia (ciência bastante complicada) e sobretudo erram nos valores. Reclamam de forma mitigada do insuportável a qualquer ser humano de boa educação e índole. E quando escrevem bem, o que é raro, gostam apenas de criar frases de efeito e se deliciar porque têm uma gritante notícia. Assim, alimentam suas minuciosas vaidades.
No começo de sua carreira, Machado de Assis fez uma louvação ao Jornal: “O jornal apareceu, trazendo em si o gérmen de uma revolução. Essa revolução não é só literária, é também social, é econômica, porque é um movimento da humanidade abalando todas as suas eminências, a reação de espírito humano sobre as fórmulas existentes do mundo literário, do mundo econômico e do mundo social.(...) o jornal é uma expressão, um sintoma de democracia; e a democracia é o povo, é a humanidade”.
Assim exposto, requer de Vossas Senhorias que façam seu melhor. A exemplo do que disse o Gênio, vocês têm a famosa faca e o queijo nas mãos. Por Zeus, façam valer. Ajudem-me nos meus cinco por cento. Eduquemos, não façamos troça. Porque o resto é a humanidade e se Nietzsche prescindia dela, nós não.
* Bacharel em Direito, mestranda da FFLCH (USP), escritora, autora de “O Fio de Cloto”, livro de contos prefaciado por Bruno Fregni Basseto, grande filólogo e vencedor do Prêmio Jabuti. Publicou crônicas no “Jornal das Artes” e artigos em várias revistas acadêmicas.
Mesmo que considere a crônica um texto menor, foi agradável o passeio pelos seus pensamentos. De que modo poderíamos fazer essa invasão? Sou ingênua, pois acredito que o escritor não nos engana. Costumo achar que diz sempre a verdade.
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