Perguntas da vida
Gosto dos idealistas, das pessoas de
coração puro, dos que nunca se omitem e daqueles que jamais se deixam abater
pelo desânimo e pelo derrotismo, mesmo nas piores e mais dramáticas
circunstâncias da vida. Procuro acalentar esse ideal de solidariedade, grandeza
de espírito e justiça, e tentar realizá-lo, a despeito da minha insignificância
e dele parecer, cada vez mais, à medida que o tempo passa, utópico e
irrealizável.
Minha esperança é como a daquele
personagem de Machado de Assis, que previa uma incrível era de felicidade na
Terra e que assegurava: “Os tempos serão retificados. O mal acabará; os ventos
não espalharão mais, nem os germes da morte, nem o clamor dos oprimidos, mas
tão somente a cantiga do amor perene e a bênção da universal justiça”.
Este é um ideal, convenhamos, pelo qual
vale a pena viver e, se preciso, até mesmo morrer, para que os que amamos
gozem, finalmente, das suas benesses. Considero-me um lutador, desses tinhosos,
que nunca se dão por vencidos. Como um boxeador aguerrido, vou muitas vezes à
lona. Mas quando o árbitro chega a oito, em sua contagem para declarar o
vencedor, e o adversário já comemora o nocaute, ergo-me novamente e parto para
a luta. Posso perdê-la, sem dúvida, pois não sou nenhum super-homem, mas
procuro fazê-lo com honra, por pontos, e nunca através de um golpe definitivo
que me suprima os sentidos.
Quando criança, diziam que eu era um
moleque “marrudo”. Era desses garotos que nunca abaixam a crista para ninguém.
Não que fosse mal-criado, pois meus pais exigiam que sempre respeitasse os mais
velhos. Contudo, jamais levava qualquer desaforo para casa, fosse de quem
fosse. Hoje já faço parte da turma do “deixa disso”, mas nem sempre.
Lembro-me de um episódio que diz bem da
minha personalidade tinhosa. Na primeira escola que estudei, ainda menininho,
havia um sujeito grandão que se impunha a toda a meninada na base da pancada.
Todos o temiam e, no recreio, sempre gostava de dar alguns cascudos em um ou
outro menino, menor do que ele. Ninguém tinha coragem de denunciá-lo à
professora. “Seria pior”, todos
argumentavam.
Um dia, nem sei porque, cismei de
encarar o valentão. Claro que tomei uma surra histórica, dessas de deixarem
lembranças por semanas. Não me dei por vencido. Durante um tempão, todos os
dias, provocava o tal xerifão para briga e o resultado era sempre o mesmo. Eu
apanhava mais do que boi ladrão, quando invade uma horta para comer alface!
Vivia machucado e meus pais atribuíam isso ao fato de eu ser muito
“desastrado”. Mas nem me passou pela cabeça em desistir. Cismei
porque cismei que tinha que derrotar aquele sujeito, não importava como e nem
quando, nem que para isso tivesse que perder um olho, vários dentes e algumas
costelas.
Até já havia virado rotina na escola.
Dava o horário de recreio, e lá ia eu brigar com o tal bam-bam-bam. E apanhar,
claro! Mas a molecada me respeitava, por minha suposta coragem. Até que um dia,
nem mesmo sei como, acertei um soco preciso, exato, medido, que levava toda a
força da minha raiva e da minha frustração, bem na pontinha do queixo do
valentão. E este desabou como um saco de batatas. Aproveitei o ensejo, quando,
surpreso, o adversário estava grogue, sem qualquer reação, para subir sobre ele
e desferir-lhe uma saraivada de golpes, até que nos apartassem. Para minha
infelicidade, quem apartou foi justamente a diretora. Mais essa!
E eu, que havia apanhado do tal sujeito
por semanas, sem que ninguém da direção da escola soubesse ou sequer
desconfiasse, fui suspenso, na única vez em que fui o vencedor, e tive que me
entender com o meu pai que, creiam, não me presenteou com nenhuma medalha ou
troféu. A partir desse dia, o tal xerifão nem passava perto de mim. Cortava
volta. Claro que fiquei popular entre a meninada. Mal esse pessoal sabia que eu
esperava, com medo enorme, a vingança do grandão que, para a minha felicidade,
nunca aconteceu. Ele era mais forte, mas não tão “marrudo” quanto eu.
O interessante de toda essa história é
que, passado um ano, conversamos numa boa, como duas pessoas civilizadas. E
percebemos que tínhamos infinitamente mais coisas em comum do que diferenças. Tornamo-nos amigos
inseparáveis, “unha e carne”, conforme se costuma dizer. Desde então, jamais
trocamos uma única palavra áspera sequer. Posso dizer que essa tem sido a
amizade mais sólida e duradoura de toda a minha vida. Nenhum outro amigo
mostrou tanta lealdade, tamanho afeto, tão grande solicitude quando aquele
ex-verdugo da minha tenra infância. A vida é mesmo gozada, concordam?
A derrota de hoje pode se transformar,
como num passe de mágica, no sucesso de amanhã. O mesmo vale em relação às
tristezas, frustrações e a tudo o que nos chateia e deprime em determinada
ocasião. Por isso, recuso-me a ser pessimista e a manifestar desencanto com o
mundo, mesmo face tanta patifaria e sacanagem com que topo no meu cotidiano.
Evito de questionar a vida e descobrir os desnecessários “porquês”. Pode
parecer alienação, mas não é. É idealismo! Nunca me sai da memória uma frase
que li há anos, atribuída a Aristóteles, que diz: “O melhor é sair da vida como de uma festa:
nem sedento, nem bêbado”. É o que procuro sempre fazer. Ou seja, nunca me
embriagar com o sucesso. Mas, em contrapartida, também jamais deixar um ideal
para trás, que me deixe “sedento” de alcançá-lo. Marrudo, como sou, tento,
tento e tento obtê-lo, até que consiga. E dificilmente deixo de conseguir.
Boa leitura!
O Editor.
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Lendo seu texto e me autoanalisando. Tenho discurso pessimista, meu desabafo é meu escudo, mas parto para a ação de maneira concreta e geralmente eficaz.
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