domingo, 14 de fevereiro de 2010




Um roubo incomum

* Por João Batista Melo

Uma amiga contou-me que sua cunhada chegou ao Rio de Janeiro ansiosa por causa das notícias sobre crimes e assaltos. Levou alguns minutos para pegar o táxi, pesando e repesando a cara dos motoristas. No hotel, guardou na mala a aliança de casamento e um diminuto anel. Manteve em cima da cômoda apenas o relógio, do qual precisaria para não perder os compromissos. Era um relógio querido, presente do pai quando ela se formara na universidade. Depois, descansou e tomou um bom banho antes de se preparar para a reunião de negócios com um fornecedor de mercadorias para sua pequena loja em Belo Horizonte.

Ao sair, andou apressada pelas ruas, mas foi obrigada a se meter numa aglomeração de pessoas que esperavam o sinal abrir para os pedestres. Percebeu, então, um vulto bem próximo ao seu braço esquerdo e se afastou para o lado, o olhar cruzando com o do homem negro, de camiseta e short. Tão logo atravessou a rua, percebeu a ausência do relógio. Viu que o homem suspeito ainda caminhava ali perto, afastando-se com passos um pouco mais largos e olhando em volta como se quisesse despistar alguma coisa.

Então, num inexplicável rompante de coragem, acelerou o passo e seguiu o homem até a esquina seguinte, essa bem menos movimentada. Aproximou-se por trás, apanhou uma caneta que enfiou por dentro da jaqueta e pressionou o pano para fora, criando a silhueta de um revólver. Encostou-se no homem alto e forte com a ponta da arma simulada e falou em tom baixo, enquanto abria a bolsa com a outra mão.

- Coloca o relógio dentro da bolsa.

O homem a olhou, assustado, e girou a cabeça em torno como se buscasse alguma ajuda, talvez de um cúmplice. Ela também conferiu se não seria atacada por trás e insistiu num tom mais agressivo:
- Bota o relógio aí dentro, rápido!

O homem lançou o relógio dentro da bolsa, que ela fechou rapidamente, antes de correr pela rua afora e entrar num táxi para chegar logo à segurança do hotel. Azar da reunião, do fornecedor, da própria loja. O que ela mais queria era desaparecer do Rio de Janeiro. Foi para o quarto, o coração disparado, e conferiu várias vezes a fechadura. Que risco imenso correra ao abordar o ladrão, ela agora pensava, surpresa com o próprio gesto insano. Histérica, começou a gargalhar sozinha. Finalmente, abriu a bolsa para olhar o relógio e convencer a si mesma de que fizera aquela loucura. Mas, assim que o levantou entre os dedos, notou algo errado. O seu relógio era dourado, aquele ali prateado. Os ponteiros do outro eram finos, os daquele grossos e masculinos.

Voltou, então, o olhar para a cômoda, ao lado da cama, onde repousava, desde o dia anterior, o seu querido relógio dourado de ponteiros finos, que ela se esquecera de colocar ao sair.

- Eu assaltei aquele homem! – exclamou em voz alta para si mesma, perplexa e sozinha no apartamento. Com um princípio de pânico, ligou para o aeroporto e fez uma reserva para o vôo seguinte. À noite, dormiu em sua casa em Belo Horizonte, com todas as portas trancadas.


*Mestre em Multimeios, pela Unicamp, fez crítica de cinema e literatura para diversos jornais e dirigiu os curtas “A quem possa interessar” e “Tampinha”. É autor das coletâneas de contos “Um pouco mais de swing” (Rocco), “As baleias do Saguenay” (Rocco) e “O Inventor de Estrelas” (Lê) e do romance “Patagônia” (Rocco), e participou da antologia “Geração 90: Manuscritos de Computador” (Boitempo).

2 comentários:

  1. Se me garantirem que posso andar à vontade nas ruas de qualquer cidade desse Brasil, posso
    até repensar o meu torto Rio de Janeiro.
    Falei só em pensar, não garanto nada.
    Parabéns pelo texto.
    Abraços

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  2. Bravo! Ninguém desconfiou da ação, muito menos o leitor.

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