domingo, 21 de fevereiro de 2010




Na cabeleireira, igual a Virgínia

* Por Juarez José Viaro

Matilde vai à luta. Sentada na cadeira da cabeleireira, unhas esticadas para a manicure, pés de molho para a pedicure. Ninguém reconhece assim seus dotes de dona de casa. Vaidosa, pergunta para a cabeleireira qual a cor da moda para os cabelos. Olha-se no espelho passando a mão esquerda na cabeça, gira o rosto mas retém o olhar no canto para observar as raízes dos cabelos começando a ficar brancas.

Depois olha para a manicure e pede pra escolher o esmalte mais vermelho que ela tiver.
- Esta tarde o bonitão que mede o relógio da luz não me escapa.

Da outra vez foi o carteiro. Acertou-lhe um olhar sedutor no meio da testa, mediu seu uniforme da gola à barra da calça amarela, prendendo seu braço queimado de sol com um pedido irrecusável:
- Tem carta pra mim? Você parece que não quer me entregar nada hoje.

O carteiro, perdido entre o aperto no braço e o pacote que levava nas mãos, buscou consolá-la com um tímido balançar de cabeça.
- Hoje tenho duas correspondências para a senhora.

Olhando para o crachá pendurado com foto 3x4, ela reclama, fazendo beicinho:
- Alfredo, você é muito maldoso comigo, não me traz o que eu quero.

O rapaz, sorridente, imaginou uma história para contar vantagem aos amigos, seu dia estava ganho. Mas sentiu a bolsa que carregava no ombro pesar ainda mais quando teve esses pensamentos, escolheu as duas cartas no pacote que levava na mão e entregou à Matilde, que soltou seu braço para segurar a conta de telefone e a fatura do cartão de crédito.

Mas agora o alvo era o funcionário da empresa de energia. Sabia dia e hora que costumava passar para medir o relógio de luz. Estaria pronta para o bote, desta vez ele não escaparia.
- Que tal um corte bem curto, desestruturado, está se usando muito, sugeriu a cabeleireira.
- Não, quero meus cabelos longos, vou fazer um coque bem moderno, como da Vírginia, da novela, dizem que está na moda.

Sentiu uma fisgada na base da unha, enquanto a manicure se esforçava para demonstrar que estava tudo bem.
- Você é novata aqui na casa? Nunca vi você das outras vezes.
- Sim, senhora. Comecei ontem, mas já trabalhava em outros salões.

A ironia não foi percebida pela manicure, então melhor não pensar que era a primeira cliente da pobre coitada.
- Imagine, Beth, que o bonitão usa aquele uniforme com calça bem agarrada, deixando ver suas coxas grossas. Da outra vez só deu tempo de olhar pela janela, quando cheguei ao portão já tinha ido com a prancheta escrevendo números. Mas pude ver seu bumbum maravilhoso, ah, que sonho de homem!
- Semana que vem quero chamar um orçamentista. Vou trocar todas as cortinas da casa. Imagine se for um outro bonitão, entrando no meu quarto, medindo minhas cortinas e eu me recostando na cama, ameaçadora.
- A senhora não tem jeito, dona Matilde. Qualquer dia seu marido descobre tudo e aí, como vai ser?
- Sou cuidadosa, o João não desconfia de nada, sou esposa eficiente, cuido bem da casa, não deixo pistas.

Na prateleira, ao lado dos cremes e xampus, um celular toca. A cabeleireira atende. Desconcertada, vira-se pra dizer que depois retorna, está com uma cliente. João desliga.
- O João gosta tanto de mim que nem desconfia nada, coitadinho. Matilde vira-se de novo para se olhar no espelho. Beth, trêmula, fecha o celular sobre a mesinha e vai buscar as tinturas para Matilde escolher a cor.

* Juarez José Viaro é formado em Letras e Jornalismo. Publicou o livro de poemas “Aroma de Amora” e participou de movimentos literários em Osasco e São Paulo. Tem um romance inédito, “Viagem ao Interior”.


2 comentários:

  1. Ficaria menos débil se ela não tirasse tanta
    vantagem. Mulher "mané".
    Abraços

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  2. Mesmo as metrópolis não passam de rocinhas iluminadas. Mexe e vira a o nó está feito, as peças se encaixam. Quando reclamam que as novelas empesteiam o mundo ensinado a infidelidade, é bem o contrário. Os noveleiros se inspiram no mundo real. E estamos quites.

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