quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010




Arrogância e inconsciência

* Por Pedro J. Bondaczuk

Os verdadeiros “descobridores” das coisas que realmente importam são todos anônimos. Nenhum deles “patenteou” sua “invenção”, para explorá-la comercialmente. Contudo, há inúmeros indivíduos alardeando, aos quatro ventos, terem “descoberto a pólvora”, ou seja, inventado o que acham que antes não existia, sem que de fato o tenham feito. O que lhes falta é conhecimento, é consciência, é humildade, é informação.

Quem inventou a roda? Ninguém sabe! Quem foi o primeiro a obter o fogo mediante o atrito de duas pedras, ou por outro meio qualquer? Quem teve, pela primeira vez, a idéia de criar as letras do mais primitivo dos primitivos alfabetos? Quem inventou os números? Quem teve a genialidade de criar o símbolo que representa o nada, a ausência, o “zero”, que deu tamanho impulso à matemática e a todas as demais ciências que têm nela instrumento essencial? Estão vendo? Ninguém sabe!

E o questionamento poderia seguir, linha após linha, preenchendo páginas e mais páginas e sabe-se lá onde poderia parar.. Por que os “inventores” desses objetos e processos, que deflagraram o progresso e a civilização dos povos, nunca os patentearam? “Bem, porque não havia, na ocasião, nenhum órgão de registros e patentes”, dirá o cidadão que adora obviedades. Não havia mesmo, é evidente.

Mas por que o nome desses anônimos “descobridores” não se fixaram na memória de seus descendentes, até chegar a nós? Porque sua intenção, certamente, não era a busca de notoriedade, mas de proporcionar conforto e segurança para eles mesmos e para as comunidades em que viviam. A fama, certamente, nunca os seduziu. E muito menos a intenção de enriquecer com ela. Esta, pelo menos, é a ilação mais lógica que se pode extrair do seu anonimato.

Afinal de contas, o que é a “descoberta”? Esta é uma pergunta que não tem absolutamente nada de original, não é apenas minha, mas que, certamente, já vem sendo feita, com miríades de variações, e repetida, repetida e repetida desde os tempos mais remotos, geração após geração.

Um dos que a fizeram, por exemplo, foi o gênio da Literatura universal, o poeta alemão Johann Wolfgang Goethe, que lhe acrescentou o seguinte: “E quem pode dizer que descobriu isto ou aquilo? Que grande loucura é afinal alardear a prioridade nesta matéria. Porque não querer confessar abertamente o plágio é arrogância e inconsciência”.

Ou seja, por mais criativos que nos achemos, salvo raríssimas exceções (se é que elas existam), somos, na verdade, eminentes plagiadores. Tomamos determinada idéia, que achamos que seja original (mas não é, pois a colhemos alhures), acrescentamos um ou outro detalhe, algum ingrediente provavelmente até supérfluo e pronto. Julgamo-nos um poço de sabedoria e inventividade. Isso, no entender de Goethe (e no meu, evidentemente) é arrogância. E mais: é inconsciência.

Claro que sou tentado a achar que estas minhas reflexões estão revestidas, se não por completo, pelo menos parcialmente, de absoluta originalidade. Mas estariam? O que conheço eu de literatura universal? Qual o escritor uzbeque que já li? Ou bengali? Ou paquistanês? Ou hutu? Ou dos milhares de povos que há, espalhados mundo afora? Como me achar original e inventivo depois de 13 milênios de civilização, com um número incontável de pessoas que já passaram pelo Planeta, que refletiram, estudaram e escreveram páginas que nunca chegaram e nem chegarão ao meu conhecimento?

Nada disso, porém, invalida a filosofia, nem a incessante busca por conhecimentos, nem a pesquisa científica e nem, sobretudo, a Literatura (que, no meu caso, é a minha grande paixão). O que não podemos é ser arrogantes e presunçosos e nos acharmos “geniais”, por contarmos com um “tantinho” de inteligência.

Temos que deixar de lado nossa propalada auto-suficiência e admitir que não passamos de anões e que nos parecemos gigantes, aos que nos observam, apenas por estarmos de pé nos ombros dos que na verdade o foram. Ou seja, dos nossos verdadeiramente inventivos, no entanto anônimos, antepassados.

Se Goethe, reconhecidamente um gênio da Literatura mundial de todos os tempos, negava a mais remota possibilidade de ser “descobridor”, e, portanto, original, quem sou eu, que não conto com o mínimo resquício da sua genialidade, para me sentir minimamente inventivo?! Definitivamente, não sou!

*Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas), com lançamentos previstos para os próximos dois meses. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com





3 comentários:

  1. Há uns anos atrás tive uma pequena discussão
    caseira por conta de um quadro que eu havia
    pintado. E invariavelmente o que ouvi foi
    que estava bonitinho, mas que era uma cópia
    e que eu na verdade nada havia criado.
    Mas se Picasso podia usar
    um modelo e Matisse podia retratar paisagens,
    onde estava o problema em retratar algo em tela?
    Sou uma incompreendida? Não. Mas vou apresentá-los a Goethe.
    Ótimo texto!
    beijos

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  2. A referência a Goethe foi muito boa, Pedro. A propósito, copio do livro Conversações com Goethe, de Eckermann:

    “Todos os anos leio algumas peças de Molière, da mesma forma que costumo olhar de tempos a tempos gravuras de grandes mestres italianos. Nós, homens medíocres, não somos capazes de conservar no nosso íntimo a grandeza de tais coisas; temos por isso, de tempos a tempos, de voltar a elas para renovar em nós a impressão original”.

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  3. Sou admiradora, quase uma serva da inteligência alheia. Dentro dos meus parcos conhecimentos, sei me curvar diante de uma produção excepcional.

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