terça-feira, 23 de fevereiro de 2010




Poema in memoriam do poeta Baquílides

* Por Talis Andrade

1

Como se enganou Baquílides
em cantar e assegurar
a impossibilidade de um mortal
manchar o azul do céu,
corromper a água do mar.
Vinte e cinco séculos se passaram
para que as palavras de Baquílides
fossem profanadas.

Durante vinte e cinco séculos
os super-homens pareceram contentar-se
em desnaturar o próprio corpo,
em conspurcar a própria alma.

Dos poetas e profetas nenhuma orientação
em direção ao futuro poderia determinar
o conúbio de bruxas e alquimistas,
as maquinações de reis, papas e generais
pretendessem mais que a arrogância
de caminhar sobre as águas,
de voar como os pássaros.
Os super-homens ousaram além do inimaginável.
Mandaram suas máquinas para o mar,
mandaram suas máquinas para o céu,
e tão voraces e tão mortais
que antecipam e superam, em crueldade,
o profetizado holocausto
dos Cavaleiros do Apocalipse.

2

Os super-homens nada deixarão como herança,
embora propaguem uma Nova Atlântida
exeqüível no glorioso dia
que os peões, passivos mutantes,
aprendam a marchar
ao som das trombetas heróicas de Wagner.
E no amor concebam
uma prole selecionada
em esterilizados tubos de ensaio.
A utopia de um admirável mundo novo,
quando os cultivados filhos do amanhã
viverão felizes e comportados,
independentemente de suas tolas vontades.

3

O amor tudo salva.
Linda menina
goza o verde do verde mar,
e deixa que ele também goze
tua nudez dourada pelo dourado sol,
porque não tardará suas águas irão ferver.
O mar haverá de morder
os lindos e rosados bicos dos teus seios;
comer teus olhos, tuas pernas,
te envolvendo num abraço de napalm.

Crianças, amem o azul,
o azul do céu.
Da alucinação, nas nuvens disperso,
de um lindo efebo,
os cânticos da libertação,
que no paraíso Adão falava em versos;
em versos falaram todos os profetas.

Do tributo da queima de incenso nos altares,
das oferendas de flores e frutos,
dos cânticos de amor
e das emanações dos corpos impúberes,
o poder de manter inalterados
o verde do verde mar,
o azul do céu azul.

(Do livro “Romance do Emparedado”, Editora Livro Rápido – Olinda/PE).


* Jornalista, poeta, professor de Jornalismo e Relações Públicas e bacharel em História. Trabalhou em vários dos grandes jornais do Nordeste, como a sucursal pernambucana do “Diário da Noite”, “Jornal do Comércio” (Recife), “Jornal da Semana” (Recife) e “A República” (Natal). Tem 11 livros publicados, entre os quais o recém-lançado “Cavalos da Miragem” (Editora Livro Rápido).


Um comentário:

  1. "o poder de manter inalterados
    o verde do verde mar,
    o azul do céu azul."


    Lindo poema Talis. Uma ode a esperança.
    Abraços

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