sábado, 20 de fevereiro de 2010




Como nascem as piadas

* Por José Paulo Lanyi

Eis uma definição injusta e maldosa, perpetrada por um grande amigo meu, sarrista de alto quilate: um grupo escoteiro nada mais seria do que “um bando de crianças vestidas de babaca comandado por um babaca vestido de criança”.

Depois de rir... rir muito..., rir cada vez mais (!)..., achei por bem promover este desagravo aos escoteiros. Eles não merecem isso. Conheço quatro deles. Um jornalista valoroso, a própria expressão da bonomia... E o Huguinho, o Zezinho e o Luizinho.

“Essa gente não respeita nada, mesmo...”, pensei, dois minutos e meio depois. Piada de português? Vá lá... Joãozinho? Papagaio? Cultura brasileira! Crianças empenhadas no bem? Educadores de gerações de bons rapazes? É um pouco demais...

Ainda bem que inventaram o politicamente correto.

Por falar nisso, certa vez um outro grande amigo meu, outro sarrista de alto quilate, estava a bordo de um táxi, trânsito parado, quando quase recebeu um panfleto das mãos de um integrante da TFP.

Há certas coisas que, juntas, só existem em São Paulo: táxi, grande amigo meu sarrista de alto quilate, trânsito parado e TFP.

O dito amigo fez um escarcéu ao rejeitar aquele panfleto. Mediu o outro, de cima a baixo, olhou de soslaio para aquele estandarte vermelho e descortinou a farsa:
- Motorista, feche o vidro! Eu não falo com comunistas!

O taxista obedeceu. Do lado de fora, o perplexo reagia:
- Mas nós não somos...
- Comunista! Comunista!
- Nós não somos comunistas!

Isolado pela janela, nada mais a ouvir, meu amigo regozijava-se, espírito zombeteiro que é. Do lado de lá do vidro, um confuso.

A vida demonstra que o joio nasce do joio. Esse mesmo gozador tem um filho, que reputo a própria encarnação de Pan – aquele que, de assustar, legou-nos, em sua homenagem, a palavra “pânico”.

Assim é. Como o deus mitológico, o Filho do Outro sai por aí a perturbar o imperturbável. Da flauta nasceu o braço do violão. Do ceticismo respeitoso sobreveio-lhe o paganismo cristão. Um herege de terno, a esconder as pernas de bode. Orelhas arredondadas e proeminentes, a disfarçar o humor pontiagudo. De chifres não falarei. Amigo meu não tem chifre. Está decidido.

Esse mesmo ser sorriu-me como um bode e contou-me a história: o irmão de um outro grande amigo sarrista de alto quilate (que tem por hábito esgar, quando contrariado em seus pensamentos mais caros, que sempre consistem em sexo), o irmão dessa alma perdida militara na TFP, de onde sairia, tempos depois, com a bênção do aprendizado de três ofícios: inglês, karatê de contato e... oboé.

De que se conclui que tradição, família e propriedade se conquistam com lábia, boa música e um pouco de porrada.

Piadas não nascem prontas, como se diz. Levam nove meses para nascer, quinze anos para crescer e, em média, setenta para morrer.

(*) Jornalista, escritor e dramaturgo, autor do romance "Calixto-Azar de Quem Votou em Mim", do romance cênico (gênero que criou) "Deus me Disse que não Existe", da peça "Quando Dorme o Vilarejo" (Prêmio Vladimir Herzog) e da coletânea "Teatro de José Paulo Lanyi e Outros Loucos", todos da editora O Artífice. Compõe música clássica com o paulistano Flávio Villar Fernandes.




2 comentários:

  1. Não sabia que a longevidade das piadas chegava a sete décadas. Pensava que mal chegassem aos cinquenta anos. Ficou curiosa essa síntese debochada da TFP - lábia, música, porrada-, mas mesmo eles, mais corretos que a lei, deveriam ser respeitados. Para onde foi o politicamente correto?

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  2. Tenho um "amigo" que é piadista
    compulsivo desses que sacrifica
    um amigo mas não perde a piada.
    Eu mesma já ri muito com ele, acho até
    que nasceu assim.
    Beijos

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