quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010




Era Sábado de Carnaval

* Por Eddyr Guerreiro

ERA SÁBADO DE CARNAVAL, 23 de fevereiro de 1974. Eu, Jader e Bianca lentamente caminhando pelas ruas de Botafogo, conversávamos sobre os acontecimentos do mês de janeiro e de fevereiro. Falava-se muito sobre o assaltante de bancos Lúcio Flávio Vilar Lírio, seu irmão Nijini e toda sua quadrilha.

O engraçado é que a maioria das mulheres tinha admiração por Lúcio Flávio. Lúcio Flávio era notícia dia e noite nos jornais, revistas, televisão e rádio. Nosso papo também gerava em torno da publicação de “Tebas do Meu Coração” de Nélida Piñon. Jader prometeu a Bianca que lhe presentearia com um exemplar.

Bianca por outro lado exaltava Miguel Reale que fora nomeado para o Conselho Federal de Cultura. Eu na verdade nem sabia quem era o Miguel Reale que segundo Bianca, era conhecido de seus pais. Eles pareciam ter engolido uma vitrola.

De minha parte, perguntei se eles não queriam me presentear com o LP da Elis Regina e Tom Jobim que era a novidade da época em vista de que Tom em uma revista declarou que não gostaria de gravar com a Elis e acabou gravando, e que maravilha ficou aquele disco!

Enquanto caminhávamos Jader disse que após seu casamento com a Bianca no dia 3 de março, no primeiro domingo após o carnaval daquele mesmo ano, a levaria para conhecer a Estátua de Santos Dumont em Santana, São Paulo. Eu tinha sido convidado para apadrinhá-los no religioso. Claro que me sentia muito orgulhoso, pois tanto Jader como Bianca, eram meus melhores amigos. Jader queria que seu casamento com Bianca fosse realizado durante a noite na Praia da Urca. Achei a idéia magnífica, afinal, a pequena Praia da Urca, era palco de nossas poesias e músicas madrugadas adentro assim como também, era o local que ensaiávamos nossas peças teatrais de rua. E os dois tagarelavam sem parar.

O assunto que mais me chamou atenção foi do ingresso de Carlos Chagas Filho na Academia Brasileira de Letras como também o prévio comentário feito por Bianca, sobre a estúpida morte de Nelson de Lima Piauhy que era militante do PC do B, morto na Região do Araguaia em combate, na guerrilha.

Bianca era muito dada à política e eu, ainda boiava no assunto, mas de tudo fazia para entender. Lembro que a Bianca de repente se abaixou e pegou um pedaço de uma folha de Jornal, Ultima Hora, datado de 13 de janeiro de 1974 que trazia o noticiário sobre a morte do Compositor João da Baiana.

Era uma época um tanto difícil para uma juventude que vivia praticamente reprimida. Eu por exemplo, cansei de ganhar corridas da polícia por causa do meu cabelo. Tinha um merda de um detetive, que não podia ver um cabeludo que queria logo levá-lo para o xilindró e lá, raspar a cabeça do coitado. Filho da puta preconceituoso, o infeliz era careca.

Março estava chegando a sabíamos que a coisa iria ficar pior do que já estava. Vinha pela frente o Geisel, um general gaúcho lá de Bento Gonçalves que diziam ser tremenda linha dura. Jader e Bianca estavam radiantes de alegria, alegria essa que dividiam comigo e toda a hora eu ganhava um abraço dos dois.

Chegamos a um clube lá em Botafogo. Era sábado, 23 de fevereiro de 1974, o clube estava inflamado e logo após a entrada, Jader sem querer esbarrou em uma moça negra, se desculpando em seguida. A moça por sua vez disse que estava tudo bem, mas o acompanhante dela dirigiu-se a Jader com palavras grosseiras e meu amigo Jader mais uma vez se desculpou. O sujeito de súbito sacou um revólver da cintura e disparou atingindo mortalmente no coração meu amigo Jader. Fiquei paralisado não acreditando no que acabara de acontecer, de ver.

Me faltou chão, visão, tudo. O sujeito e a mulher desapareceram no meio da multidão. Bianca entrou em estado de choque e eu nada pude fazer a não ser abraçar-me a ela e chorar, chorar muito. A partir daquele 23 de fevereiro de 1974, carnaval passou a não mais existir pra mim.

Bianca um ano depois do ocorrido, exatamente no dia 23 de fevereiro de 1975, domingo, suicidou-se. Eu há muito tempo que tento escrever algo sobre esse ocorrido, mas me faltava coragem. Hoje escrevi. Meu Deus! Estou sob forte emoção, mas consegui escrever. Consegui escrever.

* Colaborador do Literário




4 comentários:

  1. Uma dura e cruel realidade
    que mora ali...pertinho de
    todos nós.
    Abraços

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  2. Nossa, que coisa terrível! Motivo fútil. É assustador. A violência pela violência não é notícia nova. Um ato grave, banalizado, acabou com a vida de três pessoas. Mesmo que você tenha sobrevivido, é coisa sem conserto.E já se vão 36 anos.

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  3. Crônica muito forte, Guerreiro. Triste época esta em que a vida das pessoas já não vale mais nada. E que final surpreendente! Texto muito bom!
    Abraços

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  4. Nubia, Mara Narciso e Risomar. Muito obrigado por darem atenção a esse meu escrito, que muito pesou-me em escrevê-lo. Agradeço também a atenção de quem o postou nesta página do Literário. Meu endereço de e-mail é guerreiro_bl06101jpa@yahoo.com.br Quem quiser escrever-me, fique a vontade. Abraços em todos... Eu Eddyr o Guerreiro

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