sábado, 27 de fevereiro de 2010




Executivo de fachada

* Por Leandro Barbieri

Quais os predicados de um bom executivo? Competência, talento, disposição? Sim. São verdades. Mas não absolutas.

Na era da imagem não basta ser bom. Aliás, nem precisa. O que vale é a construção. O mito. O idealizado. Peguemos como exemplo Homero Segall, um administrador diplomado e reconhecido por seus colegas. Segall é fictício, claro, mas isso não o faz menos emblemático que muitos tidos como reais.

Segall ostenta uma linda sala nas dependências da empresa em que “trabalha”. Mantém a porta fechada e as janelas forradas por cortinas escuras. Não quer ser visto. Detesta ser bisbilhotado. Da janela para fora se comenta a importância das reuniões que acontecem da janela para dentro. É lá que nascem grandes idéias, brilhantes soluções. Segall é um gênio e, como tal, precisa de privacidade.

A principal ferramenta de Segall é o computador. É nele que estão instalados os programas mais essenciais para suas atividades diárias. O pessoal do diz-que-me-diz especula o teor das pastas do administrador.

Duas da tarde. Segall chega na empresa com uma camisa de linho impecável e um característico moletom sobreposto nas costas. Cumprimenta meia dúzia de funcionários com um sorriso contido, tira os óculos escuros e some sala adentro.

Porta trancada, computador ligado. Na tela um jogo de paciência. No telefone a secretária que dali a uma hora estará sobre a mesa só de calcinha. De dentro de um armário saem figuras de ação dos anos 80. Começa a guerra. Segall delira. Ah, a infância nunca acabada...

Nos documentos, anotações. Frases de gibis. Desenhos de mangá. Nada muito importante. Ele não saberia lidar com isso. As dificuldades deixa passar. Lidar com clientes é algo fora de questão. Complicado. Dali a alguns instantes chamará um funcionário e dará uns gritos. É assim que se mantém autoridade. No berro.

Alguns conhecem os bastidores da sala de Segall. Poucos. Discretos. Devidamente dissimulados. Divertem-se com o que entendem por psicopatia. Traços de uma criança não crescida? Talvez levasse umas chicotadas do pai.

Estão enganados. Homero Segall é mesmo um gênio. Verte sua incompetência em status usando roupas de grife e mármore de Carrara no chão. Não basta ser executivo. Tem que ser lenda.

*Roteirista, diretor e pesquisador de Telenovelas Brasileiras. Assina o roteiro de Umas & Outras, primeira novela interativa da internet. No espaço Literário do Comunique-se, resgata a estrutura do Folhetim Francês, embrião da telenovela de hoje.



Um comentário:

  1. Vestem-se de suas personagens
    e conseguem convencer...mas
    se toparem com alguém mais atento
    correm o risco de serem desvendados.
    Abraços

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