terça-feira, 23 de fevereiro de 2010




Gentileza cabe em qualquer lugar

* Por Risomar Fasanaro

O carro fora roubado havia dez dias da frente da empresa onde ela trabalhava. Já nem esperava mais encontrá-lo quando, saindo para o almoço, deparou-se com ele ali em frente, exatamente no lugar de onde tinha sido levado.

As colegas é que lhe chamaram a atenção: olha! Não é seu carro??? Voltou à sua sala, pegou as chaves do veículo, e entrou. Mal pôde acreditar quando viu que não tinham levado o aparelho de som. O carro estava intacto. Não fosse um envelope sobre o banco, e pareceria que ninguém entrara ali.

Apanhou o envelope, retirou uma carta escrita a mão, e comentou rindo: que letra horrível... Esse não foi meu aluno...

As amigas a apressavam: lê logo! Quem será que te deixou esta mensagem? Ela começou a ler em voz alta, e logo entendeu quem era o autor:

“Moça: me desculpe, preçisei do seu carro só pra fazer um açalto; mas só fis um, e logo depois dechei ele nos fundos de minha caza, pra não se estragar.
Ah... tinha dois envelopes e achei melhor botar eles no correio, pois não sabia se era carta urgente, e talves a peçoa a quem a senhora ia mandar, percizasse daquela resposta, e não achei legal que sua carta demoraçe a chegar. Inda mais que uma delas era pra outro paiz. Ficou caro à beça, mas como eu tava com grana, graças a senhora, deu pra encarar. Fiz iço pra lhe provar que em todas as profições tem gente educada. Sou ladrão, mas sou educado.
Olhe: preciza trocar o óleo e ve o brque. Estaçionei numa ladera, e quaze que ele deçeu a rampa. Se a senhora uzar ele, é capaz de fundir o motor.
Obrigada, dona. Ele me deu sorte. Ganhei uma boa grana com ele”.

Perplexa, e rindo muito ela se dirigiu às colegas:
-Vê que povo maravilhoso é o brasileiro? Mesmo quando é ladrão tem esses gestos de cavalheirismo, de honestidade...

Engatou a primeira e foram almoçar. Depois teria de ligar para a companhia de Seguros e avisar que o carro tinha aparecido...

* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.




4 comentários:

  1. Hilário!!!!!!!
    Parabéns Risomar por mais essa
    pérola. Adoreiiiiiiiiii!
    beijos

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  2. De fato, educação cabe em todo o lugar. Interessante característica do ladrão de se importar em seguir as normas de educação, mas abandonar as normas do bom convívio social. Personagem muito curioso. Obrigada por trazê-lo até nós Risomar!

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  3. Excelente, Risomar! A crônica é ótima e animadora! Beijão!

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  4. Risomar,
    gostei muito ! Dei boas risadas.
    Gentileza gera gentileza. Nada como ser gentil na vida.
    Gostei da sua ideia.
    Beijão

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