quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010







Estranha idiossincrasia

* Por Pedro J. Bondaczuk


O escritor Jorge Luís Borges tinha uma fixação – e explorou-a com muita destreza e maestria em seus contos e poemas – por labirintos, máscaras e tigres. Da minha parte, os objetos pelos quais sempre tive obsessão e que são temas constantes em meus textos são: o relógio e o espelho. Não cito, necessariamente, esses dois instrumentais – um para a medição do tempo, tendo por referencial a estrela responsável pela vida na Terra, o Sol, e o outro para refletir a nossa imagem e nos mostrar como somos e como estamos dia após dia – mas os tenho sempre presentes, subjetivamente, realçando o simbolismo do seu significado para o homem: a efemeridade humana.

Somos transitórios, como um raio que corta o céu, em uma tempestade. Em curtíssima fração de "segundo cósmico" (em relação à eternidade), como num piscar de olhos, brilhamos subitamente e desaparecemos em seguida, a maioria sem deixar um único vestígio da sua passagem.

Diante dessa transitoriedade é que questionamos a importância e a utilidade da vida. Se é para morrer, por que nascemos? Qual é a nossa verdadeira finalidade? De onde viemos? Para onde vamos? Tudo, de fato, acaba, com nossa extinção orgânica ou alguma coisa sobrevive? O quê? Onde? Como? São perguntas que todos fazemos, mas que ninguém obteve resposta cabal e convincente. Gostemos ou não, começamos a morrer a partir do exato momento em que nascemos. Muitas vezes, antes mesmo de vermos a luz do mundo.

O relógio, invenção prática e cada vez mais sofisticada e precisa, marca, de maneira inexorável, o tempo que se esvai. Avisa-nos, portanto, a cada movimentação dos seus ponteiros, que mais um instante da nossa vida, cujo prazo final felizmente desconhecemos, se escoou. Lembra-nos da presença incômoda e permanente da morte e da sua constante ronda sinistra. Algumas pessoas são tão vazias e inconscientes que sequer se dão conta disso.

Como amo esta aventura fascinante e misteriosa, que é viver, consulto relógios somente quando é estritamente necessário. Mesmo assim, sempre que posso, prefiro perguntar as horas para os outros. Tanto que nunca carrego esse objeto comigo. Tenho até pecado por impontualidade por causa dessa idiossincrasia.

Quando consulto as horas, sempre em relógios alheios, faço-o com crescente preocupação, até mesmo com certo alarme. Não consigo me furtar de pensar que cada segundo é precioso, o maior capital de que disponho e que não pode ser desperdiçado, já que pode ser o último. Se o malbaratar com tolices, certamente fará falta. Procuro vivê-lo intensamente, não importa qual seja o meu ânimo, ou como me sinta fisicamente: se com dor ou não.

Quero prolongar minha vida ao máximo! Mesmo tendo plena consciência de que esse prolongamento em pouco (ou em nada) depende de mim, ainda assim tento, tento e tento. É uma tarefa virtualmente impossível. O processo de vida e morte está fora do meu controle e sei disso. A menos que eu deseje apressar a morte, mediante o suicídio, que nunca foi o caso. Minha aspiração não é, jamais foi e provavelmente nunca será a de reduzir, mas a de, se for possível, de alguma forma, prolongar esse maravilhoso milagre, sem possibilidades de reprise.

Por isso, não uso relógio de pulso. É uma atitude até supersticiosa, mas adoto-a em defesa da minha sanidade psicológica. Não quero, a todo o instante, lembrar que o prazo da minha vida (que felizmente desconheço qual é), está se estreitando e (quem sabe) prestes a se esgotar.

O espelho, por sua vez, mostra-me, dia-a-dia, a cada manhã, os estragos que o tempo faz sobre o meu físico. Na maioria dos dias, essa decadência passa despercebida. Apenas de quando em quando, descubro um fio de cabelo branco novo aqui, uma ruga que não havia percebido antes acolá e outros indicativos até mais sutis de envelhecimento.

Nessas ocasiões, chego a entrar em pânico. Não se trata de vaidade, de querer apresentar, aos outros, sempre a melhor aparência, seja por qual razão for, mas de não ter indícios da temida decadência, que são uma espécie de lembretes da proximidade da morte. É bom frisar que esta não é uma preocupação exclusivamente minha, doentia e obsessiva, mas de todas as pessoas, embora a maioria não a revele – ou por não ter consciência dela, ou por não saber expressar o que sente em relação a isso.

A grande maioria dos meus textos trata, em maior, ou menor, medida, dessas questões. Resolvi reunir, num livro as crônicas mais específicas a respeito, por achar que o assunto merece uma reflexão mais atenta. Reitero que não, evidentemente, no sentido de evitar essa decadência física, e posterior extinção, por estar consciente de que isso é impossível. Tenho absoluta certeza de que esse processo não está nas mãos dos humanos. Muito menos nas minhas. A ciência pode, eventualmente, retardar o envelhecimento e até adiar a morte, mas por pouco tempo. Evitá-los, jamais!

Minha intenção, ao escrever esse livro não foi a de ser mórbido. Muito pelo contrário. Em vez de lamentar a iminência da morte, exalto a realidade, a transcendência e o mistério da vida. O objetivo é o de realçar a necessidade de aproveitamento do tempo, não importa quanto dele ainda dispomos, se anos ou segundos, para mostrar aos semelhantes a que viemos ao mundo. É o de convocar as pessoas desta geração e das vindouras, que eventualmente lerem meus textos e refletirem sobre eles, a deixarem o egoísmo de lado, esquecerem a mera satisfação sensorial que caracteriza os broncos, dominarem seus baixos instintos e se tornarem elos na imensa (e talvez infinita) corrente da razão. É, também, o de enfatizar a estupidez da busca por um poder que nada pode, pois não consegue derrotar a principal inimiga dos seres vivos: a morte. Vaidade, vaidade..., já dizia o bíblico pregador...

*Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas), com lançamentos previstos para os próximos dois meses. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com

4 comentários:

  1. Eu não uso relógio e minha relação com
    o tempo hoje é de paquera.
    Espelhos? Eu tinha pavor deles, um dia
    um senhor bem velhinho reparou que eu evitava o espelho na loja. Ele veio a mim, pegou no braço
    e me colocou de frente ao espelho. Mandou que fizesse isso todos os dias. O espelho apenas reflete o meu cansaço ou meu viço. Ah...ainda não achei uma ruga em meu rosto...tô no lucro!
    Belo texto.
    Beijos

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  2. Muito bom o texto, Pedro. Cada pessoa tem sua relação com o tempo, que para mim parece passar cada vez mais rápido. Também não tenho o hábito de usar relógio. Quanto ao espelho, bem, ainda estou de bem com ele. Abraço!

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  3. Meço cada instante para melhor aplicá-lo,e, em relação ao tempo, preciso medi-lo sistematicamante, para descer um degrau de cada vez. Falo muito nessa passagem temoral, e até incomodo uma amiga minha, de infância, que não gosta de me ver medindo o tempo. Não largo o olho do reógio,mas achei interessante essa sua maneira oposta de bem aproveitar a vida.

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