quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010




Da massa para a massa

* Por Fernando Yanmar Narciso

Pode ser considerado preconceito tratar o povo como povo? Trazendo para o palco só o que acredita que o povão gosta, o apresentador está colocando todos dentro de um mesmo bolo, generalizando? Hoje e sempre, a maior catequizadora e alienadora do mundo é a televisão. Todos os programas do considerado “humor popular” fazem-se valer das mesmas piadinhas de 50 anos atrás, como se o povão só gostasse das mesmas coisas. O Zorra, a Praça, a Escolinha, o Didi são todos iguais, tratando o povo como bezerros no cercadinho. O próprio Chico Anysio vive dizendo que brasileiro só gosta de rir de piada repetida.

Você sabe que seu som é uma porcaria, mas quer fazer sucesso mesmo assim? Basta pagar, ou sua gravadora pagar o jabaculê, para aparecer em qualquer show de auditório e você tá feito. Não dá pra falhar! Ninguém difundia essa filosofia melhor que o pai de todos nós, Abelardo Barbosa, A.K.A Chacrinha. Só quem viveu de 1967 a 1988 sabe do que eu estou falando. Eu tinha quatro anos quando ele morreu, e tudo o que eu me lembro de seu programa é o “cabeção” dele que adornava o palco, mas pelo que meus pais dizem, todo sábado à tarde, a Rede Globo ficava menos careta e erudita com o maior comunicador que o país já teve. Irreverente, carnavalesco, debochado e, por que não dizer, trash, pobres ou ricos, inteligentes ou burros, religiosos ou ateus, héteros ou gays, todo mundo o assistia. No período acima citado, se você cantava, ele te chamava, colocava embaixo de sua enorme asa e você se tornava um sucesso imediato. Ele foi o padrinho de todos os grandes movimentos musicais do Brasil, da Tropicália ao Pop Rock dos anos 80.

Mestre do improviso, no seu Cassino ninguém escapava ileso. Esculachava a equipe de produção, os câmeras, as Chacretes, os patrocinadores e até mesmo o auditório. Todo dia tinha a sessão de jogar na platéia peças de bacalhau, pedaços de carne, farinha, pó de café, abacaxis, bananas e tudo o mais que as pessoas não pudessem comprar em tempo de crise, e a lambança sempre acabava alavancando as vendas dos produtos. A hora dos calouros era uma das mais aguardadas do programa. Grandes nomes foram revelados por ele, mas aposto que ele deve ter se arrependido de algumas de suas revelações.
Com a morte dele, os brasileiros ficaram mais sisudos. Precisaríamos de oito longos anos até que substitutos à sua altura pipocassem sob os holofotes. A coisa mais próxima do Chacrinha que a minha geração presenciou foram os Mamonas Assassinas. Se “o Velho Guerreiro” ainda estivesse vivo no tempo deles, com certeza os teria descoberto. Pena que a irreverência do conjunto durou pouco, né? Depois deles, não surgiu mais ninguém capaz de devolver o nosso sorriso.

Do jeito que temos sido cheios de “não me toques” hoje em dia, será que um programa tão exagerado como o de Chacrinha colaria de novo? Como somos todos frágeis como taças de cristal, nos sentiríamos ultrajados ao receber uma bacalhauzada na cabeça e o processaríamos. Se fôssemos calouros e ele viesse com aquela buzina nos enxotar do palco, consideraríamos isso um insulto e o processaríamos. Como o lema do humor de hoje é “você cai, eu rio”, ao vê-lo entrando em cena usando aquele disco de telefone gigante pendurado no pescoço e usando um chapéu em forma de bolo de casamento, tudo o que poderíamos fazer era torcer pra ele tropeçar e ir com a cara no chão.

Voltando à pergunta, será que é crime generalizar as pessoas, ditando coisas como “povão tem que gostar é disso, não pode gostar de outra coisa”? Empurrar porcarias como Calypso e similares por gargantas alheias abaixo é uma maneira de manter o controle sobre as classes mais baixas, que dizem “Amo Calypso do fundo do meu coração” só porque Joelma & cia. vivem aparecendo na TV?

Quase dá saudades daqueles tempos pré-históricos, quando a Globo exibia programas como Concertos para a juventude ou Concertos internacionais, fazendo parecer que a empresa se preocupava com a cultura de seu povo... Deveria ser dever das emissoras de TV e de blogueiros manter os inteligentes, inteligentes e os burros um pouquinho menos burros.

* Fernando Yanmar Narciso, 25 anos, formado em Design, filho de Mara Narciso, escritor do blog “O Blog do Yanmar”, http://fernandoyanmar.wordpress.com
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2 comentários:

  1. Chacrinha comandava as massas e esse mérito
    eu não ouso tirar dele.
    Mas eu o detestava, chorava quando minha mãe
    se aboletava em frente a velha TV e não deixava
    a gente ver mais nada. Sei que não é do seu tempo mas, eu era telespectadora assídua do "Boa noite Cinderela" do Sílvio Santos. Cara se remexer no baú vai sair muita coisa.
    Boa lembrança do velho Guerreiro, mesmo
    eu não gostando dele.
    Parabéns.
    beijos

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  2. Havia "A Discoteca do Chacrinha", em que eram apresentadas as músicas de cantores conhecidos, e a "Buzina do Chacrinha", que era o Show de calouros. Depois juntaram tudo num único programa, pois a fórmula já perdia o fôlego.

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