domingo, 21 de fevereiro de 2010




Helena de Tróia

* Por Heródoto

CXII (,,,) No local consagrado a Proteu há uma capela dedicada a Vênus alcunhada de Estrangeira. Conjecturo que tal Vênus seja Helena, filha de Tindaro; não apenas porque ouvi dizer que Helena viveu outrora na corte de Proteu, mas também porque a capela tira seu nome da Vênus Estrangeira; pois de todos os outros templos de V~enus, não há nenhum que lhe seja consagrado sob tal nome.

CXIII. Tendo interrogado os sacerdotes a propósito de Helena, eles me responderam que Alexandre, depois de tê-la raptado de Esparta, fez-se à vela para voltar à sua pátria. Quando chegou ao mar Egeu, ventos contrários afastaram-no de sua rota e empurraram-no para o mar do Egito. Tais ventos continuando contrários, foi ele de lá para o Egito, onde chegou à embocadura do Nilo, que é hoje chamadas de foz Canópica, e à Tariquéia. Havia naquela margem um templo de Hércules, que ainda hoje se pode ver. Se algum escravo ali se refugia, e se deixa m,arcar com os estigmas sagrados, a fim de se consagrar ao deus, não lhe é permitido pôr as mãos em cima. Essa lei continua a ser observada da mesma maneira desde sua instituição até o presente. Tendo os escravos de Alexandre conhecimento dos privilégios do templo, lá se refugiaram; e, colocando-se em posturas de suplicantes, puseram-se a acusar seu senhor, com a intenção de aborrecê-lo, e a tornar pública a injúria que ele fizera a Menelau, e tudo o que se passara em relação a Helena. Tais acusações eram feitas na presença dos sacerdotes, e de Tonis, governador daquela foz do Nilo.

CXIV. Diante disso, Tonis assim que possível enviou um mensageiro a Mênfis, com ordem de dizer a Proteu estas palavras: “Aqui chegou um troiano que cometeu na Grécia um crime atroz. Não contente de ter seduzido a mulher de seu anfitrião, raptou-a e apoderou-se de riquezas consideráveis. Os ventos contrários obrigaram-no a acostar nestas terras. Deixaremos que Parta impunemente ou lhe tiraremos tudo o que possuía ao chegar?” Proteu devolveu o mensageiro ao governador, com uma ordem concebida nestes termos: “Prendam, seja quem for, esse estrangeiro que cometeu tal crime contra seu anfitrião; tragam-no a mim, para que eu conheça também o que pode ele alegar a seu favor”.

CXV. Tonis, tendo recebido tal ordem, confiscou os navios de Alexandre, mandou prendê-lo o levou-o a Mênfis, juntamente com Helena, suas riquezas e os suplicantes do deus. Quando chegaram todos, Proteu perguntou a Alexandre quem era ele e de onde vinha com seus navios. O príncipe nada lhe ocultou a respeito de sua família, do nome de sua pátria, ou de onde vinha, mas, quando Proteu lhe perguntou onde sequestrara Helena, ele se atrapalhou com as respostas; e, como ele maquiasse a verdade, seus escravos que se haviam tornado suplicantes, acusaram-no e contaram ao rei todos os pormenores de seu crime. Enfim, Proteu pronunciou esta sentença: “Se eu não acreditasse que tem as mais graves conseqüências mandar matar qualquer estrangeiro que os ventos obrigam a acostar em minhas terras, eu vingaria com teu suplício o insulto que fizeste a Menelau. Esse príncipe te deu hospitalidade e tu, o pior de todos os homens, não receaste cometer contra ele um ato execrável. Seduziste a mulher de teu anfitrião e, não contente com isso, exortaste-a a te seguir e a levas furtivamente contigo! E isso não é tudo, ainda pilhas, ao sair, a casa de teu anfitrião. Visto então que acredito ter as mais graves conseqüências mandar matar um estrangeiro, deixarei que te vás; mas não levarás contigo esta mulher, e não levarás suas riquezas; eu as guardarei até que teu anfitrião grego venha em pessoa reclamá-las. A ti ordeno que saias em três dias de meus domínios, com teus companheiros de viagem; se não, serás tratado como inimigo”.

[2,116] CXVI. Foi assim que, no dizer do sacerdote, Helena foi à corte de Proteu. Parece-me que Homero havia também ouvido contar a mesma história, mas, como ela convinha menos à epopéia do que aquela da qual se serviu, ele a abandonou, mostrou, entretanto, que ela não lhe era desconhecida. Disso nos dá incontestável testemunho na “Ilíada”, quando descreve a viagem de Alexandre, testemunho que não contradisse em qualquer outro ponto de seus poemas. Ele nos diz que Alexandre, depois de ter por muito tempo errado de costa em costa com Helena, a quem levava, atracou em Sidon, na Fenícia. É nesse local que se trata das proezas de Diomedes. Eis seus versos: “Lá se encontravam velas bordadas, obra dos sidônios, que o belo Paris trouxera de Sidon quando voltou a Tróia com a ilustre Helena. Na “Odisséia”, ele faz também menção à viagem de Helena. “Tais eram as específicas essências e excelentes remédios que possuía Helena, filha de Júpiter; ela os recebera de Polidamna, mulher de Tonis, em sua viagem ao Egito, cuja terra produz uma infinidade de plantas, algumas salutares, outras perniciosas”. Fala nisso também nos versos que Menelau dirige a Telêmaco: “Embora eu desejasse voltar, os deuses me retiveram no Egito, porque eu não lhes havia ofertado perfeitas hecatombes”. Homero, com tais versos, mostra-nos também que não ignorava que Alexandre estivera no Egito. A Síria realmente fasz fronteira com o Egito, e os fenícios, que pertencem a Sidon, vivem na Síria.

[2,117] CXVII. Esses versos do poeta, principalmente os dois últimos, provam que os cantos ciprios não são de Homero, mas de algum outro, pois se lê nesse poema que Alexandre, valendo-se da tranqüilidade do mar e de um vento favorável, chegou a Tróia com Helena três dias depois de sua partida de Esparta; ao passo que Homero diz na “Ilíada” que ao voltar com ela ele vagou por muito tempo. Mas já basta de Homero e dos cantos cíprios.

[2,118] CXVIII. Perguntei a seguir aos sacerdotes se o que os gregos contavam da Guerra de Tróia deveria ser posto no terreno das fábulas; eles me responderam que se haviam informado junto ao próprio Menelau, e eis o que ele lhes contara: depois do rapto de Helena, uma numerosa armada de gregos chegou a Tróia para vingar o u7ltraje feito a Menelau. Desembarcando de seus navios, nem mesmo haviam acampado quando enviaram a Ílio embaixadores, entre os quais estava Menelau. Tais embaixadores, entrando na cidade, reclamaram Helena, bem como as riquezas que Alexandre tomara às ocultas, e exigiram uma reparação daquela injustiça. Os troianos garantiram-lhe então e posteriormente, sem juramento e mesmo com juramento, que não tinham nem Helena, nem os tesouros que lhes acusavam ter roubado; que estavam enganados ao persegui-los por coisas que detinha Proteu, rei daquele país, mas os gregos, acreditando que deles zombavam, sitiaram Tróia e assim continuaram até se tornarem senhores da cidade. Quando a tomaram, não tendo sido encontrada Helena, e mantendo os troianos sempre o mesmo discurso, não mais duvidaram do que lhes havia sido dito desde o início; e enviaram o próprio Menelau a Proteu.

[2,119] CXIX. Menelau, tendo chegado ao Egito, subiu o Nilo até Mênfis, onde fez aquele príncipe um relato real do que se passara. Dele recebeu todo tipo de bons tratos; devolveram-lhe Helena, que não sofrera mal algum, e lhe entregaram todos os seus tesouros. Menelau retribuiu todas essas mercês com insultos. Como desejava fazer-se ao largo e os ventos contrários o retinham, depois de muito esperar teve ele a idéia de imolar duas crianças do país. Esse ato ímpio, que logo chegou ao conhecimento dos egípcios, tornou-o odioso; ele foi perseguido e obrigado a fugir por mar para a Líbia. Os egípcios não foram capazes de me dizer para que lado ele foi a seguir; garantiram-me que tinham certeza de uma parte daqueles fatos, porque se passaram em seu país, e que as outras partes haviam sabido por pesquisas. Assim me disseram os sacerdotes do Egito.

[2,120] CXX. Compartilho o sentimento dos sacerdotes do Egito a propósito de Helena, e eis algumas conjecturas que acrescento: se aquela princesa tivesse estado em Tróia, teria com certeza sido entregue aos gregos, fosse porque Alexandre assim consentira, fosse porque se opusera. Príamo e os príncipes da família real não eram tão desprovidos de sensatez para se exporem à morte, e seus filhos e sua cidade, a fim de conservar para Alexandre a posse de Helena. Supomos mesmo que estivessem imbuídos de tal sentimento no início da guerra, ou ao menos quando viram que pereciam tantos troianos a cada vez que se viam às voltas com os gregos, e que diferentes combates já haviam custado a vida a dois ou três filhos de Príamo, ou mesmo a maior número, a se acreditar nos poetas épicos, mesmo que o próprio Príamo se tenha apaixonado por Helena, penso que não teria vacilado em entregá-la aos gregos, para se livrar de tantos males. Aliás, Alexandre não era o herdeiro provável da Coroa; não era o encarregado da administração dos negócios na velhice de Príamo. Heitor era o seu primogênito, e gozava de maior consideração: vindo a morrer Príamo, deveria esse príncipe sucedê-lo. Não lhe teria, assim, sido honorável ou vantajoso favorecer as injustiças de seu irmão, e isso enquanto se via todos os dias, como todos os troianos, por ele exposto a tão grandes males. Mas não estava em seu poder entregar Helena; e se os gregos não fizeram fé alguma em sua resposta, mesmo verdadeira, foi, na minha opinião, por uma permissão do céu, que, destruindo os troianos, queria ensinar a todos os homens que os deuses infligem castigos proporcionais à enormidade dos crimes. Relatei os fatos da forma como me foram narrados.

(Tradução de Celina Portocarrero)

(Texto extraído do livro “Os melhores contos que a História escreveu”, organizado por Flávio Moreira da Costa, com a colaboração de Celina Portocarrero, Editora Nova Fronteira, 1ª edição, 2006).

* Grego, nascido em 485 a.C e que morreu em 420 a.C, considerado o primeiro historiador da humanidade, que ficou conhecido como o “pai da História.



Um comentário:

  1. O que li sobre Heródoto na faculdade
    foi por obrigação, aqui eu viajei.
    Abraços

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