segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010




A lógica da plataforma eleitoral

* Por Fernando Soares Campos


Todos os dias os três amigos aposentados se reuniam naquele bar. Invariavelmente, discutiam as notícias em destaque na mídia. Tudo acontecia como num ritual de confraria: Natanael lia o jornal e os amigos opinavam sobre os fatos. Quase sempre Bernardo discordava da opinião de Alcebíades, e Natanael costumava rebater os dois com um parecer, digamos, “inusitado”.

– A polícia estourou depósito com uma tonelada de maconha – informou Natanael.
– Salta essa, Natan – sugeriu Alcebíades. – Isso aí é rotina policial.
– Rotina na favela ou na fronteira do Paraguai. Mas não é todo dia que se descobre uma tonelada de maconha em fundo falso de ônibus da Viação Pássaros da Serra...
–Pera lá! – cortou Bernardo. – Logo a Pássaros da Serra?! Isso quer dizer que, sempre que levei minha família para finais de semana no litoral, viajamos em cima de uma carga de maconha!

Alcebíades emendou:

– Isso quer dizer que, depois de viajarem de ônibus, os passageiros da Pássaros da Serra podiam viajar num baseado, à beira-mar. Ora, deveriam liberar de vez a Cannabis!
– Sou contra a legalização da maconha! – quase gritou Bernardo.

Natanael abriu o jornal e fingiu que o lia enquanto falava:

– Vocês se lembram que, tempos atrás, nós comentamos sobre doação de campanha?
– Sim... – confirmou Alcebíades.
– O que tem uma coisa a ver com a outra? – quis saber Bernardo.
– Bom, é que a empresa Viação Pássaros da Serra é doadora de campanha de três deputados e um senador.

Bernardo, desatento ao que ele próprio falava, soltou o verbo:

– Votei num desses deputados e no senador exatamente por serem... – súbito, Bernardo engasgou; olhou para os amigos, que esperavam a conclusão de sua fala. – Bom... é que... esses camaradas são...

Natanael dobrou o jornal, colocou-o sobre a mesa e concluiu pelo amigo:

– Isso mesmo, Berná! Lógico que todos eles são... contra a legalização da maconha!


NOTA: Miniconto publicado no livro "Livre Pensar Literário". O título dessa coletânea, inspirado na página literária da escritora Maria Angélica Ramos Generoso, defendia a liberdade desde o início; uma liberdade engajada, formatada pelas almas de gente que disciplinadamente produz o melhor néctar nas palavras. São poemas, contos e crônicas que enaltecem valores, criticam alienações, fomentam novas consciências, engrandecem a alma civil. Homenageando Cirene Alves Ferreira, autora mineira de literariedades universais, a OBRA quer ganhar o leitor pela qualidade que a compõe. Com o gratificante apoio de profissionais do ramo editorial, podendo citar Edir de Oliveira Barbosa (editor), Miro Saraiva (diagramador), Constança Chaves (revisora), Nelson Coeli (revisor), e finalização dos trabalhos de impressão com a Gráfica e Editora Suprema, o resultado dessa parceria não poderia ser melhor.

* Jornalista e escritor, editor-chefe do Assaz Atroz: http://assazatroz.blogspot.com

2 comentários:

  1. A legalização faria o negócio desabar. Os subterrâneos da política são tão obscuros quanto o fundo falso dos ônibus da empresa Viação Pássaros da Serra. Muito coerente.

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  2. Eu me senti ali ao lado deles ouvindo
    a conversa quase dando o meu pitaco.
    O assunto é polêmico e se depender do
    Estado vai continuar assim, gerando
    assunto sem solução.
    Abraços

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