quarta-feira, 6 de junho de 2018

Para sempre, meu herói - Mara Narciso


Para sempre, meu herói!

* Por Mara Narciso
 
Os dados biográficos não dão a menor sinalização do herói que ele foi, e da dor que eu sinto, vinte anos e três meses depois da sua morte. Para nós, o dia 31 de maio é algo como o Dia da Pátria, pois era o aniversário do meu querido avô Petronilho Narciso. Nascido em Juramento no ano de 1908 faria hoje 110 anos. Teve vida longa de quase 90 anos, e fez muito por nós.
 
Foi balconista num tempo sem Leis Trabalhistas, ficando de pé do amanhecer até tarde da noite. Depois trabalhou nas Indústrias Paculdino, começando como anotador de peso, chegando a ser gerente e sócio. Lá se aposentou. Nos velhos tempos, passava filmes no Cine Montes Claros, após o expediente na usina, e também se fazia bilheteiro.
 
O escritório era no centro da cidade, no Edifício Ciosa, Praça Dr. Carlos Versiani. Morávamos na Rua Carlos Gomes, e Vovô, no intervalo do café, ia nos visitar e nos levar balas de mel. Tinha o costume de lavar as mãos e enxugar com papel higiênico no trabalho, e chegava amassando uma bolinha na mão. Isso despertava a curiosidade nos netos.
 
Eu não tinha a menor ideia do tanto que ele fazia por nós. Quando o diretor do Colégio Marista São José, Ladislau Figueiredo chegava à sala de aulas e diante da turma lia meu nome e me mandava ir embora por falta de pagamento, no outro dia eu voltava. Vovô dava o dinheiro para a volta. Isso aconteceu muitas vezes. Quando a loja do meu pai “A Parisiense” se fechou, quem pagou os credores foi o meu avô.

A casa de Petronilho Narciso era um paraíso, com seu amplo quintal cheio de frutas, com destaque ao umbuzeiro. Sistemático, de modos firmes, porém empinado, limpo, elegante como um lorde, nunca se sentou num banco de praça, pois tinha a sua maneira peculiar de ser. Minha mãe contava que foi firme demais com os filhos mais velhos, mas com os mais novos e os netos foi carinho. Só me lembro dele de cara boa. Não alterava a voz, nunca me repreendeu. Era de fala agradável, espirituosa, fazia piadas, tinha boa verve, encurralava no diálogo. Era canhoto (herdei dele), e mesmo sendo obrigado a escrever com a mão direita, tinha letra bonita, um verdadeiro escriba.
 
Sua mãe era enérgica e fria, e os criou, Indalício, 11 anos mais velho que ele, Helena, a do meio e ele, o caçula, com normas rígidas. Filho de Francisco Narciso de Oliveira e Josefina Barbosa de Oliveira, ambos de Mato Verde, a família mudou-se para Bocaiuva, onde estudou. Naquela época em volta de uma mesma mesa, a sala de aulas podia ter crianças dos quatro anos do então chamado Curso Primário. Orgulhoso, Petronilho já foi pra escola sabendo ler, e tendo a sua própria lousa (um pequeno quadro para se escrever a giz). Ainda menino fugiu de casa para ver uma banda de música. Foi severamente castigado por sua mãe, mas a semente da música estava lançada. Com uma vizinha, aprendeu a ler partituras e tocava clarineta numa banda.
 
Seu grande amigo e mentor, do qual se inspirou para alguns comportamentos foi João Paculdino, admirado e muitas vezes citado. Construiu sua casa de seis quartos perto da Catedral e da usina. Era preciso, para abrigar os onze filhos Maria Josefina – Nininha, Maria Milena, Neusa (falecida criança), Francisco – Chiquito, Pedro, Marlene, Marly, Rosa Clarice, Maria Inez – Dida, Petronilhinho (falecido criança) e Petronilho Júnior. Pioneiro em várias ações teve por hobby a fotografia, e quando comprou para sua casa geladeira e telefone, cujo número era 769, isso era luxo. Pelo número, sabe-se que Montes Claros tinha menos de 1000 aparelhos. Também aprendeu a dirigir automóvel, tirou carteira, mas eu nunca o vi dirigindo. Nas férias, gostava de ir para a Fazendinha Aliança, do seu irmão Indalício, ou para Belo Horizonte, onde se hospedava no centro, no Hotel São Marcos. Foi maçom e frequentou o Lions Clube, coisas misteriosas para nós.
 
Em casa era muita conversa e, quando minha avó Maria do Rosário – Dona Du, faleceu ele cumpriu bem o papel de centro da família. Todos os finais do dia os filhos, os netos e os bisnetos passavam por sua casa para um lanche e uma boa conversa. Até meu filho hiperativo Fernando era bem recebido, pois Vovô sabia que eu o olhava ombro a ombro, como um zagueiro, e por isso não reclamava de mim.

Hoje, faço reverência e devoto todas as honras ao meu inesquecível avô Petronilho, herói para sempre.


* Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”




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