quarta-feira, 6 de junho de 2018

Editorial - O jornalista e o escritor


O jornalista e o escritor


Todos, absolutamente todos os grandes escritores da América Latina foram, alguma vez, jornalistas. Embora os Estados Unidos tenham reivindicado para si a invenção, ou a descoberta do novo jornalismo, das “factions” e das “novelas da vida real”, como costumam denominar por lá os escritos de Truman Capote, Norman Mailer e Joan Didion, é na América Latinas que nasceu o gênero e onde alcançou sua genuína grandeza. E é na América Latina, sem dúvida, onde se insiste em expulsá-lo dos jornais e confiná-lo apenas aos livros”.

Essa afirmação, aliás, não é minha. É do jornalista e escritor argentino Tomáz Eloy Martinez, que morreu, em 31 de janeiro de 2010, vítima de câncer. Tanto o jornalismo, quanto a literatura perderam naquela oportunidade, portanto, um de seus expoentes. Uso essa citação e essa lembrança como pretexto para trazer à baila um tema que já abordei (superficialmente) neste espaço, mas que merece novas considerações.

Pergunto: o que é mais fácil, o escritor se acostumar à linguagem jornalística, ou o jornalista se haver com as técnicas literárias e produzir boa ficção? Atrevo-me a responder que a primeira alternativa é a mais viável. Até pelos resultados. Há exceções, claro. Toda a regra as tem. Mas se é verdade, como afirmou Tomáz Eloy Martinez, que todos os grandes escritores latino-americanos, sem qualquer exceção, já encararam alguma vez uma redação de jornal (e não há porque duvidar), a recíproca não é, em absoluto, verdadeira em relação aos profissionais de imprensa. Ou seja, não se pode afirmar que “todos” os jornalistas já foram, algum dia, escritores e nos legaram livros basilares de ficção. Isso não ocorreu e nem ocorre.

E quando foi que os escritores se viram banidos das redações, o que, aliás, influiu diretamente na queda de qualidade dos jornais? Quando se passou a exigir o diploma de jornalista para o exercício dessa profissão, exigência essa, por sinal, derrubada não faz muito pelo Supremo Tribunal Federal (sequer entro no mérito se por decisão justa ou injusta).

O que não se pode fazer é misturar jornalismo com literatura (pelo menos a ficcional) em qualquer jornal, não importa seu tamanho, projeção ou periodicidade.. Ambos são imiscíveis, como óleo e água. Não se pode agir, por exemplo, como Janet Cooke, a jornalista que ganhou um Pulitzer de Jornalismo em 1981, por uma série publicada no jornal “The Washington Post”, por contar a história de um menino de oito anos que se injetava heroína com o consentimento da mãe. E o que ela fez de tão grave? Ousou dar a entender ao leitor que sua narrativa era de um fato real, quando em verdade era uma história completamente inventada. Era falsa, portanto, e Janet Cooke teve que devolver o prêmio. Foi um vexame.

Quisesse fazer ficção (e isso fez muito bem), procurasse uma editora e publicasse a história em livro, em forma de romance ou novela. Em vez de fazer isso, porém, optou por enganar os leitores, a empresa em que trabalhava e até o júri que lhe atribui a maior premiação jornalística que há nos Estados Unidos. Ou seja, mostrou-se redatora talentosa, posto que fraudulenta.

Outra coisa que o jornalista não pode fazer é agir como Stephen Glass. E o que ele fez de grave? Em 1998, o semanário “The New Republic” demitiu este que era seu editor principal, porque descobriu que ele inventou dados, citações e pessoas em 27 dos seus 40 últimos artigos. Esse exagerou! Há outros casos em que jornalistas quiseram posar de escritores, mas em veículos errados, e se deram mal? Há!

O mais famoso (e letal para a credibilidade do jornalismo atual) foi o episódio envolvendo Jayson Blair. Mas o que esse repórter-estrela do “The New York Times” fez de errado ou de grave? Entre os anos de 2002 e 2003, pesquisou, por todos os Estados Unidos, uma dúzia de notícias apaixonantes, sem sequer sair da redação, dando a entender que fizera as matérias nos locais citados, para onde jamais foi.

Pior, plagiou o trabalho de outros jornalistas, ligados a obscuros jornais do interior dos Estados Unidos, garantindo que era todinho seu. Que pilantra! E mais ainda, requentava ocos e insossos informativos que recebia na redação com delírios de própria invenção, maquinando matérias sensacionais, mas com meias-verdades (piores do que mentiras explícitas).

Enganou, por um bom tempo não só leitores, mas os diretores de um dos mais prestigiosos jornais do mundo. Afinal, o “The New York Times”, com todos os defeitos que possa ter, não é nenhum pasquim barato. Está entre os de maior fama mundial.

Nunca se soube, porém, de escritor que, no exercício do jornalismo, misturasse ficção e realidade. Suas invenções, peritas e talentosas, os literatos publicam somente em livros. Na qualidade de jornalistas, restringem-se aos fatos, frios e crus, narrados com exatidão e rigor. Com uma diferença: em nove entre dez casos, seus textos são mais atrativos do que os de jornalistas diplomados, e sem que precisem fraudar ninguém e muito menos cometer o pecado mortal de qualquer jornalista que se preze: a mentira. Voltarei ao assunto oportunamente, pois ele enseja “muito pano para manga”.


Boa leitura!

O Editor.



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