O jornalista e o escritor
“Todos,
absolutamente todos os grandes escritores da América Latina foram,
alguma vez, jornalistas. Embora os Estados Unidos tenham reivindicado
para si a invenção, ou a descoberta do novo jornalismo, das
“factions” e das “novelas da vida real”, como costumam
denominar por lá os escritos de Truman Capote, Norman Mailer e Joan
Didion, é na América Latinas que nasceu o gênero e onde alcançou
sua genuína grandeza. E é na América Latina, sem dúvida, onde se
insiste em expulsá-lo dos jornais e confiná-lo apenas aos livros”.
Essa
afirmação, aliás, não é minha. É do jornalista e escritor
argentino Tomáz Eloy Martinez, que morreu, em 31 de janeiro de 2010,
vítima de câncer. Tanto o jornalismo, quanto a literatura perderam
naquela oportunidade, portanto, um de seus expoentes. Uso essa
citação e essa lembrança como pretexto para trazer à baila um
tema que já abordei (superficialmente) neste espaço, mas que merece
novas considerações.
Pergunto:
o que é mais fácil, o escritor se acostumar à linguagem
jornalística, ou o jornalista se haver com as técnicas literárias
e produzir boa ficção? Atrevo-me a responder que a primeira
alternativa é a mais viável. Até pelos resultados. Há exceções,
claro. Toda a regra as tem. Mas se é verdade, como afirmou Tomáz
Eloy Martinez, que todos os grandes escritores latino-americanos, sem
qualquer exceção, já encararam alguma vez uma redação de jornal
(e não há porque duvidar), a recíproca não é, em absoluto,
verdadeira em relação aos profissionais de imprensa. Ou seja, não
se pode afirmar que “todos” os jornalistas já foram, algum dia,
escritores e nos legaram livros basilares de ficção. Isso não
ocorreu e nem ocorre.
E
quando foi que os escritores se viram banidos das redações, o que,
aliás, influiu diretamente na queda de qualidade dos jornais? Quando
se passou a exigir o diploma de jornalista para o exercício dessa
profissão, exigência essa, por sinal, derrubada não faz muito pelo
Supremo Tribunal Federal (sequer entro no mérito se por decisão
justa ou injusta).
O que não se pode fazer é misturar jornalismo com literatura (pelo menos a ficcional) em qualquer jornal, não importa seu tamanho, projeção ou periodicidade.. Ambos são imiscíveis, como óleo e água. Não se pode agir, por exemplo, como Janet Cooke, a jornalista que ganhou um Pulitzer de Jornalismo em 1981, por uma série publicada no jornal “The Washington Post”, por contar a história de um menino de oito anos que se injetava heroína com o consentimento da mãe. E o que ela fez de tão grave? Ousou dar a entender ao leitor que sua narrativa era de um fato real, quando em verdade era uma história completamente inventada. Era falsa, portanto, e Janet Cooke teve que devolver o prêmio. Foi um vexame.
Quisesse
fazer ficção (e isso fez muito bem), procurasse uma editora e
publicasse a história em livro, em forma de romance ou novela. Em
vez de fazer isso, porém, optou por enganar os leitores, a empresa
em que trabalhava e até o júri que lhe atribui a maior premiação
jornalística que há nos Estados Unidos. Ou seja, mostrou-se
redatora talentosa, posto que fraudulenta.
Outra
coisa que o jornalista não pode fazer é agir como Stephen Glass. E
o que ele fez de grave? Em 1998, o semanário “The New Republic”
demitiu este que era seu editor principal, porque descobriu que ele
inventou dados, citações e pessoas em 27 dos seus 40 últimos
artigos. Esse exagerou! Há outros casos em que jornalistas quiseram
posar de escritores, mas em veículos errados, e se deram mal? Há!
O
mais famoso (e letal para a credibilidade do jornalismo atual) foi o
episódio envolvendo Jayson Blair. Mas o que esse repórter-estrela
do “The New York Times” fez de errado ou de grave? Entre os anos
de 2002 e 2003, pesquisou, por todos os Estados Unidos, uma dúzia de
notícias apaixonantes, sem sequer sair da redação, dando a
entender que fizera as matérias nos locais citados, para onde jamais
foi.
Pior,
plagiou o trabalho de outros jornalistas, ligados a obscuros jornais
do interior dos Estados Unidos, garantindo que era todinho seu. Que
pilantra! E mais ainda, requentava ocos e insossos informativos que
recebia na redação com delírios de própria invenção, maquinando
matérias sensacionais, mas com meias-verdades (piores do que
mentiras explícitas).
Enganou,
por um bom tempo não só leitores, mas os diretores de um dos mais
prestigiosos jornais do mundo. Afinal, o “The New York Times”,
com todos os defeitos que possa ter, não é nenhum pasquim barato.
Está entre os de maior fama mundial.
Nunca
se soube, porém, de escritor que, no exercício do jornalismo,
misturasse ficção e realidade. Suas invenções, peritas e
talentosas, os literatos publicam somente em livros. Na qualidade de
jornalistas, restringem-se aos fatos, frios e crus, narrados com
exatidão e rigor. Com uma diferença: em nove entre dez casos, seus
textos são mais atrativos do que os de jornalistas diplomados, e sem
que precisem fraudar ninguém e muito menos cometer o pecado mortal
de qualquer jornalista que se preze: a mentira. Voltarei ao assunto
oportunamente, pois ele enseja “muito pano para manga”.
Boa
leitura!
O
Editor.
Tudo é difícil. Tento construir meu aprendizado todos os dias.
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