Conhecimento
e sabedoria
O
conhecimento é obra coletiva, mesmo que sua origem seja individual. Ele,
contudo, só permanece, se consolida e se perpetua se transmitido (e não a uma
ou duas pessoas, mas ao máximo que se puder). Caso contrário... Perece, vítima
de inutilidade (salvo raríssimas exceções). São descobertas que não têm sentido
prático e que, por isso, raramente se mantêm. O que sobrevive ao tempo e ao
esquecimento é o conhecimento que se torna prático, que é testado e comprovado,
e que é aperfeiçoado por terceiros, não raro ao longo de gerações, para suprir
necessidades.
São
os casos, para exemplificar, das descobertas de como produzir fogo, da invenção
da roda, da domesticação de animais para suprir a necessidade humana de leite e
de carne, da construção de ferramentas para facilitar o trabalho e de armas
para se defender, do cultivo de plantas apropriadas à alimentação etc.etc.etc.
E põe milhos de eteceteras nisso!!!! Foram elas que lançaram as bases da
civilização e que se constituíram em molas propulsoras da evolução desse animal
estranho, cujo poder reside não na capacidade física, na velocidade, na agilidade
ou na força muscular, mas no raciocínio. Na capacidade de entendimento.
Refiro-me, óbvio, ao homem, que para uns é o Homo Sapiens, para outros o Homo
Sapiens Sapiens e para outros ainda, o Homo Demens pelas burrices que perpetra.
Todo
o conhecimento que adquirimos só tem lógica e razão de ser se e quando
revertido em benefício da preservação e da evolução da espécie. A pessoa apenas
se realiza e justifica a existência quando vive em função do próximo, de cuja
companhia e ajuda não pode prescindir. Tem, por conseqüência, a obrigação, o
supremo dever de retribuir tudo isso, fazendo a sua parte. A cooperação é,
pois, o único caminho sensato que nos conduz à realização pessoal, ao
progresso, à felicidade e a uma vida melhor. Leon Tolstoi constatou, em “Guerra
e Paz”: “Todo conhecimento é apenas adaptação da essência da vida às leis da
razão”. O egoísmo, pois, é o maior exercício de burrice e de inutilidade que
alguém pode praticar, assim como a ganância e, sobretudo, a omissão.
Somos, amiúde, arrogantes em relação ao
conhecimento que adquirimos. Julgamo-nos o supra-sumo da sabedoria e, não raro,
até olhamos com desprezo e pouco-caso os que não tiveram a oportunidade de
conhecer o que conhecemos. Trata-se, na maioria das vezes, de comportamento até
inconsciente e não-deliberado. Esquecemos, porém, que a maior parte do que
aprendemos é fruto do trabalho intelectual de milhares, quiçá milhões de
antepassados. E mesmo quando descobrimos algo relevante e novo, essa novidade
baseia-se em conhecimento anterior, descoberto por pessoas que, não raro,
caíram no esquecimento.
Há quem confunda conhecimento com
sabedoria, julgando que sejam sinônimas. Não são. Embora pareçam iguais, são
conceitos distintos. Ademais, nada do que conhecemos é definitivo e a salvo de
mudanças. O que chamamos de “ciência”, nada mais é do que um processo
especulativo, empírico, à base de tentativas e erros. Daí ser rigorosamente
exata a conclusão do filósofo Bertrand Russell, quando conclui: “Todo
conhecimento humano é incerto, inexato e parcial”. A escritora Sandra Carey
estabelece uma das diferenças entre ambos ao observar: “Não confunda jamais
conhecimento com sabedoria. Um ajuda a ganhar a vida; o outro a construir uma
vida”.
A
poetisa Cora Coralina acrescentou outra distinção, no caso a forma como
adquirimos os dois. Escreveu: “O saber a gente aprende com os mestres e os
livros. A sabedoria se aprende é com a vida e com os humildes”. O filósofo e
místico chinês Lao-Tsé, figura lendária cujos ensinamentos sobrevivem ao tempo
e ao esquecimento e servem-nos de guia passados mais de 2.600 anos, ensinava seus
discípulos, por volta do ano 520 antes de Cristo: “Para ganhar conhecimento,
adicione coisas todos os dias. Para ganhar sabedoria, elimine coisas todos os
dias”. Ou seja, não basta conhecer. É indispensável saber o que fazer com esse
conhecimento e distinguir o útil do inútil, distinção que só o verdadeiro sábio
faz com correção.
Os
sistemas educacionais de hoje (salvo raríssimas e honrosas exceções) pecam por
não saberem distinguir esses dois conceitos. Os responsáveis pelas políticas de
educação confundem-na com mera acumulação de conhecimentos. É, “também”, isso,
mas “não só isso”. Opta-se pela formação de repetidores de conceitos alheios,
de meros papagaios, alguns, verdadeiras enciclopédias vivas, em detrimento dos
pensadores. De pessoas capazes de raciocinar e de adotar postura crítica face
qualquer informação e, sobretudo, aptas a acrescentar algo de próprio a ela.
Desestimula-se, reitero, o raciocínio. Em muitas partes, as escolas têm
praticamente o mesmo perfil autoritário e medieval de três, quatro ou mais
séculos atrás. Conhecimentos são acumulados hoje de maneira muito mais rápida,
eficiente e organizada em memórias de computadores do que no cérebro humano. Ao
homem, porém, compete saber “como usar esse acervo para melhorar sua vida e a
da comunidade em que se insere”.
Costumamos dizer, amiúde, sobre pessoas
com as quais convivemos, que “as conhecemos muito bem”. Seria isso, de fato,
possível? Temos condições de conhecer quem quer que seja se nem ao menos temos
ciência das nossas próprias reações, impulsos e limitações? Tenho sérias
dúvidas. No íntimo acredito que só podemos conhecer, dos outros, o que eles
querem que conheçamos. O que sabemos do potencial de cada um, do que sente e o
que pensa, realmente, do mundo, da vida e... de nós? Qual nossa avaliação
sincera, honesta e objetiva sobre nós mesmos? Conhecemo-nos mesmo ou apenas
“achamos” que temos esse conhecimento? Está aí excelente reflexão, que
certamente pode mudar, para melhor, nossos relacionamentos.
Boa leitura.
O Editor.
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Ninguém conhece ninguém, muito menos a si. Algumas surpresas sobre nós mesmos nos aguardam.
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