Tempo que não volta nunca mais
* Por
Fabiana Bórgia
Tenho pensado muito
sobre o tempo. Ainda mais agora, que estou no escuro. Acabou a energia. Liguei
a lanterna. Sei exatamente onde encontro tudo em minha casa. Até mesmo no
escuro.
E o escuro ou esta
pouca luz em que estou traz à tona meus pensamentos. Como não resta outra coisa
a não ser entrar no notebook, enquanto há bateria, sobram apenas minhas
memórias, minhas fotografias e minha escrita. Por isso, hoje foi um dia de
saudades. Saudade de um tempo que não volta mais. Saudade de todos os meus anos
vividos. Saudade de tudo. Simplesmente tudo. E este tudo não cabe nem mesmo em
mim. E tudo de repente voltou neste mísero instante, como se todas as coisas
esquecidas tomassem forma, uma nitidez capaz de ofuscar meus olhos, de tanta
beleza, de tantas boas recordações.
Grandes confissões eu
já escutei no escuro, após longos temporais.
Já segurei as mãos da
minha avó quando criança, com medo do escuro.
Já amei, no escuro.
Minhas doces
recordações da infância também têm relâmpagos e trovões, e até mesmo aquela
chuva forte que chegava a inundar o jardim, o terraço, todo o quintal, com
aquele cheiro gostoso de terra molhada, cheiro este que lembrava bala de coco,
que penetrava por minhas narinas e invadia o meu coração.
Guardo os cheiros da
minha infância. Da ternura que era ser criança. Das coisas mais simples e
repletas de significados. Cheiro de amor. Cheiro de jabuticaba. Do brigadeiro
na panela. Da pipoca estourando. Dos bolinhos de chuva. Cheiro de felicidade
eterna. Grande ilusão.
Sentia a alegria
incontida, quando acabava a energia, como se algo muito especial pudesse
acontecer. Uma sensação de medo gostoso. De inesperado. De estar viva. Como
chuva de granizo. "Está chovendo pedra!".
As casas se foram.
Pessoas se foram.
Só depois entendi que
assim é a vida.
Hoje, reencontrei
todos os meus pedaços. Sei tudo o que sou. Passado, presente e futuro. Hoje.
Agora. Já. Preciso lembrar disso amanhã. Preciso.
Enquanto a luz não
volta, toda esta grandeza irradia em mim, iluminando a pequena pessoa que eu
sou diante de toda esta imensidão de sentimentos e de momentos tão
inesquecíveis, que não voltam mais.
*
Escritora por vocação e advogada por formação. Paulista por natureza e carioca
por estado de espírito. Engenheira de sonhos: alguém em eterna construção.
Autora dos livros “Traços de Personalidade” e “Desconexos”, entre outros.
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