segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Tempo que não volta nunca mais

* Por Fabiana Bórgia


Tenho pensado muito sobre o tempo. Ainda mais agora, que estou no escuro. Acabou a energia. Liguei a lanterna. Sei exatamente onde encontro tudo em minha casa. Até mesmo no escuro.

E o escuro ou esta pouca luz em que estou traz à tona meus pensamentos. Como não resta outra coisa a não ser entrar no notebook, enquanto há bateria, sobram apenas minhas memórias, minhas fotografias e minha escrita. Por isso, hoje foi um dia de saudades. Saudade de um tempo que não volta mais. Saudade de todos os meus anos vividos. Saudade de tudo. Simplesmente tudo. E este tudo não cabe nem mesmo em mim. E tudo de repente voltou neste mísero instante, como se todas as coisas esquecidas tomassem forma, uma nitidez capaz de ofuscar meus olhos, de tanta beleza, de tantas boas recordações.

Grandes confissões eu já escutei no escuro, após longos temporais.

Já segurei as mãos da minha avó quando criança, com medo do escuro.

Já amei, no escuro.

Minhas doces recordações da infância também têm relâmpagos e trovões, e até mesmo aquela chuva forte que chegava a inundar o jardim, o terraço, todo o quintal, com aquele cheiro gostoso de terra molhada, cheiro este que lembrava bala de coco, que penetrava por minhas narinas e invadia o meu coração.

Guardo os cheiros da minha infância. Da ternura que era ser criança. Das coisas mais simples e repletas de significados. Cheiro de amor. Cheiro de jabuticaba. Do brigadeiro na panela. Da pipoca estourando. Dos bolinhos de chuva. Cheiro de felicidade eterna. Grande ilusão.

Sentia a alegria incontida, quando acabava a energia, como se algo muito especial pudesse acontecer. Uma sensação de medo gostoso. De inesperado. De estar viva. Como chuva de granizo. "Está chovendo pedra!".

As casas se foram.

Pessoas se foram.

Só depois entendi que assim é a vida.

Hoje, reencontrei todos os meus pedaços. Sei tudo o que sou. Passado, presente e futuro. Hoje. Agora. Já. Preciso lembrar disso amanhã. Preciso.

Enquanto a luz não volta, toda esta grandeza irradia em mim, iluminando a pequena pessoa que eu sou diante de toda esta imensidão de sentimentos e de momentos tão inesquecíveis, que não voltam mais.

* Escritora por vocação e advogada por formação. Paulista por natureza e carioca por estado de espírito. Engenheira de sonhos: alguém em eterna construção. Autora dos livros “Traços de Personalidade” e “Desconexos”, entre outros.


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