sábado, 28 de novembro de 2015

Sobre cores e goleiros


* Por Clóvis Campêlo


No futebol, os goleiros sempre foram participantes diferenciados. Tanto é assim que dentro da pequena área, onde ele pisa, a grama não cresce. Além do mais, em um esporte que é praticado com os pés, dentro da grande área, ele é o único atleta que pode movimentar a bola com as mãos. O goleiro, em geral, submete-se a um treinamento mais intensivo do que o dos outros jogadores – e com um treinador específico –, pois precisa ter muito mais atenção, rapidez e elasticidade que os demais, embora muitas vezes careça de outros dotes. Em suma, é um atleta normalmente com características muito distintas dos demais jogadores. E, diferentemente dos outros futebolistas, nunca pode falhar. A sua falha pode significar a derrota da equipe e o seu ostracismo. Grandes goleiros já passaram por isso.

Desde os tempos de antigamente que essa diferenciação também se reflete na sua indumentária. O traje do goleiro diferencia-se do traje dos outros jogadores da sua equipe. Naquele tempo distante, os goleiros vestiam-se de preto ou de cinza. O russo Lev Yashin, um dos maiores goleiros da história do futebol mundial, só jogava de preto, o que lhe rendeu a alcunha de Aranha Negra. Começou como goleiro de hóquei no gelo, passando depois a atuar no futebol de campo. Consta que durante a sua carreira, teria defendido cerca de 150 pênaltis. Gostava de jogar se antecipando e projetando-se para fora da área, como um líbero. Pela seleção soviética de futebol, participou das Copas do Mundo de 1958, 1962, 1966 e 1970, embora nessa última, já aos 40 anos, tenha ido apenas como reserva. Fã do futebol brasileiro e do goleiro Gilmar, do Santos e da Seleção brasileira bicampeã do mundo, em 1965 obteve licença de seu governo para visitar o Brasil, escolhendo a cidade do Rio de Janeiro. Passava as manhãs na praia e às tardes treinava os goleiros do Flamengo, onde também mantinha a forma. Faleceu em 1990, aos 60 anos de idade. Sempre de preto, tornou-se uma lenda do futebol.

No futebol brasileiro dos anos 60, quem quebrou o estigma de jogar sempre de preto ou de cinza, foi o goleiro Raul Plassmann, do Cruzeiro. Na fortíssima equipe mineira de então, ao lado de Tostão, Piazza e Dirceu Lopes, gostava de usar uma camisa amarela. Essa diferenciação lhe rendeu na época o apelido de Wanderléa, numa referência pejorativa à musa da Jovem Guarda. Raul jogou ainda no São Paulo e no Flamengo de Zico, onde encerrou a sua carreira. Pela seleção brasileira de futebol, atuou apenas 17 vezes.

Dois outros grandes goleiros, que romperam com o estigma de serem apenas defensores passivos, foram o colombiano René Higuita e o brasileiro Rogério Ceni. Higuita, com seu longo cabelo cacheado, uniformes estranhos e um jeito peculiar para criar as maiores maluquices, o goleiro se tornou ícone da irreverência dentro de campo. Seu estilo "louco" de jogar, em que saía de sua área jogando e driblando adversários muitas vezes interferia no resultado do jogo (favorável ou desfavoravelmente). Higuita também ficou famoso por seus gols de faltas, de pênaltis, e pela folclórica defesa escorpião, em que se joga para frente defendendo a bola com os pés. Enfim, um goleiro maluco e colorido como nunca antes se havia visto no futebol mundial.

Revelado em 1990 pelo Sinop, do Mato Grosso, Rogério Ceni foi contratado no mesmo ano pelo São Paulo, equipe da qual é titular desde 1997. Sua principal característica é a lealdade ao clube que serve, sendo atualmente o jogador que mais vestiu a camisa de um mesmo clube na história do futebol mundial, tendo superado Pelé, que vestiu a camisa do Santos em 1.116 jogos, além do norte-irlandês Noel Bailie, que mantém o recorde europeu com 1.013 jogos pelo modesto Linfield, e Ryan Giggs, que disputou 963 partidas pelo Manchester United.

Ceni possui inúmeros outros recordes expressivos, tal como o de maior goleiro-artilheiro da história do futebol mundial (com 129 gols até o momento), o jogador que mais vezes foi capitão de uma mesma equipe (961 jogos), e também o de jogador que mais venceu por um mesmo clube na história (com mais de 601 vitórias, batendo o recorde de Ryan Giggs, que era de 589 vitórias).

Destaca-se por ser o maior goleiro-artilheiro na história do futebol mundial até hoje. Sua precisão nas cobranças, tanto de faltas quanto de pênaltis, fizeram dele, em agosto de 2006, o goleiro com o maior número de gols marcados na história do esporte, superando o paraguaio Chilavert.

Chama a atenção também por ser o jogador com mais vitórias pelo mesmo time, superando o britânico Ryan Giggs, do Manchester United, que possui 589 vitórias. Ultrapassou essa marca no jogo contra o Goiás, em 27 de outubro de 2014, em jogo válido pelo campeonato brasileiro.

Outro recorde batido por Rogério foi o de jogador com o maior número de partidas como capitão em jogos oficiais: 866, contados entre 14 de agosto de 1994 e 24 de novembro de 2013. O número atual é de 953 partidas.

Recife, novembro 2015

* Poeta, jornalista e radialista, blogs:



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