domingo, 29 de novembro de 2015

A mulher do Toninho Vaca Véia



* Por Rui Paneiro


Demorou para o Toninho Vaca Véia ter certeza absoluta de que sua mulher não o agüentava mais.

A convicção foi precedida de inúmeros sinais, mas só surgiu límpida, sem lhe causar qualquer perplexidade, por volta de duas da tarde, num sábado, em uma praia maravilhosa de Cabo Frio.

Estavam  ele, a mulher e um casal de amigos. Depois que todos aproveitaram bem o mar, vários espetinhos de camarão, meia dúzia de caipirinhas e umas dez garrafas de cerveja, ela abriu o jogo.

Sem rodeios ou culpas, com pulseirinha de ouro no tornozelo e argolões nas orelhas, a mulher do Vaca Véia foi incisiva, lapidar:

- Eu não suporto praia com sol. Odeio!

Aí, e só então, o Toninho percebeu tudo.

Antes disso, os recados eram codificados e ele não conseguia traduzir. Expressões de enfado, desinteresse por tudo que ele contava, falta de atenção às conversas.

Pior ainda era o comportamento perdulário que tornava um inferno a hora de pagar as prestações. Além, é claro, de repetidas alegações de cansaço, no chamado horário nobre.

Quando a mulher do Toninho Vaca Véia soltou essa na praia e fez bico em seguida, o casal de amigos riu muito. O Vaca não disse nada. Pediu outra caipirinha, limpou os óculos e olhou a linha do horizonte como se estivesse tentando ver a costa da África.

À noite, em casa, ele e a mulher conversaram. Como se dizia (ou ainda se diz?), discutiram a relação. Tudo acertado, resolveram se separar.

Nesses quase 20 anos, o Vaca Véia comprou cobertura na Lagoa. Trocou de carro mais de dez vezes, sempre fiel à GM. Teve diversas namoradas e se aposentou nos dois empregos.

A mulher se formou em Psicologia pela PUC-Rio. Abriu consultório. Encaracolou o cabelo louro, saiu numa escola de samba. Casou de novo duas vezes e se mudou para a Barra.

Há dias, o Toninho Vaca Véia morreu. Durante anos, ele fumou Minister. Falava eu vou vim, rezistro, análisse e pra mim fazer.

No entanto, lia Thomas Mann, Hemingway, Machado,  Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos. Adorava arte barroca. Visitava com freqüência Tiradentes e Ouro Preto.

Preparava uma caipirinha inenarrável, com duas gotinhas de gim “para fazer a liga”. E até o fim da vida, mastigou a comida com o mesmo lado da boca - o que lhe valeu o apelido.

A madame ainda curte argolões nas orelhas e pulseirinha no tornozelo. Continua chegada às compras e torra uma nota preta todos os meses nas lojas de griffe do Barra Shopping.

De manhã, caminha acelerada pelo calçadão da praia, rebocando seu cão Chihuahua pouco maior que um maço de Carlton, e arrasta junto o segundo novo marido.

Assumiu ares de intelectual. Parou de dizer a nível de e colocar a questão. Adotou o enquanto psicóloga.

Mas, pelo jeito monalisa de olhar, não sei se passou a gostar de praia com sol.

* Jornalista, trabalhou no Jornal do Brasil. Atualmente, trabalha como freelancer e colabora com jornais eletrônicos, como o Montblaat.

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