A
mulher do Toninho Vaca Véia
* Por Rui Paneiro
Demorou para o Toninho Vaca Véia ter
certeza absoluta de que sua mulher não o agüentava mais.
A convicção foi precedida de inúmeros
sinais, mas só surgiu límpida, sem lhe causar qualquer perplexidade, por volta
de duas da tarde, num sábado, em uma praia maravilhosa de Cabo Frio.
Estavam
ele, a mulher e um casal de amigos. Depois que todos aproveitaram bem o
mar, vários espetinhos de camarão, meia dúzia de caipirinhas e umas dez
garrafas de cerveja, ela abriu o jogo.
Sem rodeios ou culpas, com pulseirinha
de ouro no tornozelo e argolões nas orelhas, a mulher do Vaca Véia foi
incisiva, lapidar:
- Eu não suporto praia com sol. Odeio!
Aí, e só então, o Toninho percebeu
tudo.
Antes disso, os recados eram
codificados e ele não conseguia traduzir. Expressões de enfado, desinteresse
por tudo que ele contava, falta de atenção às conversas.
Pior ainda era o comportamento
perdulário que tornava um inferno a hora de pagar as prestações. Além, é claro,
de repetidas alegações de cansaço, no chamado horário nobre.
Quando a mulher do Toninho Vaca Véia
soltou essa na praia e fez bico em seguida, o casal de amigos riu muito. O Vaca
não disse nada. Pediu outra caipirinha, limpou os óculos e olhou a linha do
horizonte como se estivesse tentando ver a costa da África.
À noite, em casa, ele e a mulher
conversaram. Como se dizia (ou ainda se diz?), discutiram a relação. Tudo
acertado, resolveram se separar.
Nesses quase 20 anos, o Vaca Véia
comprou cobertura na Lagoa. Trocou de carro mais de dez vezes, sempre fiel à
GM. Teve diversas namoradas e se aposentou nos dois empregos.
A mulher se formou em Psicologia pela
PUC-Rio. Abriu consultório. Encaracolou o cabelo louro, saiu numa escola de
samba. Casou de novo duas vezes e se mudou para a Barra.
Há dias, o Toninho Vaca Véia morreu.
Durante anos, ele fumou Minister. Falava eu vou
vim, rezistro, análisse e pra
mim fazer.
No entanto, lia Thomas Mann, Hemingway,
Machado, Fernando Sabino e Paulo Mendes
Campos. Adorava arte barroca. Visitava com freqüência Tiradentes e Ouro Preto.
Preparava uma caipirinha inenarrável,
com duas gotinhas de gim “para fazer a liga”. E até o fim da vida, mastigou a
comida com o mesmo lado da boca - o que lhe valeu o apelido.
A madame ainda curte argolões nas
orelhas e pulseirinha no tornozelo. Continua chegada às compras e torra uma
nota preta todos os meses nas lojas de griffe
do Barra Shopping.
De manhã, caminha acelerada pelo
calçadão da praia, rebocando seu cão Chihuahua pouco maior que
um maço de Carlton, e arrasta junto o segundo novo marido.
Assumiu ares de intelectual. Parou de
dizer a nível de e colocar a questão. Adotou o enquanto
psicóloga.
Mas, pelo jeito monalisa de olhar, não
sei se passou a gostar de praia com sol.
* Jornalista, trabalhou no Jornal do
Brasil. Atualmente, trabalha como freelancer e colabora com jornais
eletrônicos, como o Montblaat.
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