sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Dia da Consciência Negra


O papel do escritor na sociedade é pouco compreendido, inclusive pela imensa maioria (se não a totalidade) dos que se dedicam a essa nobre tarefa. Dado seu incomparável talento para descrever idéias, fatos, sensações e emoções, quando não gerá-los, ele é uma espécie de consciência coletiva do bicho homem”. Foi dessa forma que iniciei uma das tantas reflexões que partilho diariamente com vocês, escrita, se não me falha a memória, em 2011. A data da redação não importa. Afinal, são tantos os textos que escrevo e imensa é a minha desorganização, que seria uma façanha digna de nota se eu lembrasse com exatidão quando escrevi isto..

Na sequência desse texto, observei, também, a título de justificativa da minha tese: “ (O escritor) é, pois, como aquele personagem do italiano Carlo Colodi, o Grilo Falante. É isso mesmo. A comparação procede. O tal bichinho, na famosa história infantil, fazia as vezes de consciência do boneco de madeira Pinocchio, que tinha como grande aspiração se tornar humano (coitado, se soubesse!). Por isso que o escritor, ao mesmo tempo em que fascina, incomoda os poderosos de plantão. Através dos seus livros, detecta e revela as esperanças, sonhos e ilusões da humanidade. Mas também traz a lume seus medos, perigos, dores (físicas e emocionais) etc.”. Faltou acrescentar que detecta, também, suas taras, egoísmo, deficiências morais e.... preconceitos.

Ninguém, pois, é mais habilitado a ser o arauto das reivindicações sociais dos povos do que o escritor que tenha consciência do seu papel. Trago à baila, hoje, esse texto (e essa questão) a propósito do “Dia da Consciência Negra” comemorado em cerca de mil municípios, dos quase seis mil que o País tem, e nos Estados inteiros de Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso e Rio de Janeiro, em cumprimento a decretos estaduais. Só não entendo porque a data não é guardada em todo o território nacional. Afinal, ela se destina a promover reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira. O dia foi escolhido por marcar a ocasião da morte de Zumbi dos Palmares, ocorrida em 1695, que pegou em armas em defesa do bem mais precioso para o ser humano: sua liberdade.

A pergunta que se faz é: as pessoas refletem, de fato, sobre a necessidade de inserção dessa que é a maior parcela dos habitantes deste país-continente, no pleno convívio social, em rigoroso pé de igualdade com a minoria, como é de direito? Afinal, o Brasil conta com uma das maiores populações negras do Planeta, ao lado da Nigéria.  Não se deve generalizar, é verdade, mas não é preciso ser nenhum gênio para constatar que a imensa maioria dos brasileiros sequer atina sobre o motivo da existência desse feriado. Uma pena! Justo o Brasil, onde o preconceito racial ainda é dolorosa, vergonhosa e contundente realidade, para decepção dos que pensam e que têm consciência do imenso mal que esse comportamento absurdo causa, em pleno século XXI, com tantas e tamanhas facilidades para as pessoas se informarem.   

O preconceito, ou seja, o juízo preconcebido sobre algo ou alguém, sem que seja fruto do pleno conhecimento de causa, não é somente o racial, é verdade, mas este é o mais comum e o que mais desgraças e violências trouxe (e ainda traz) à humanidade no curso da sangrenta e nada louvável História da nossa espécie. Ele também se manifesta em relação, por exemplo, ao gênero, à religião,  à opção sexual etc.etc.etc. e até a deficiências físicas e/ou mentais, como se quem é seu portador tenha culpa de ser marcado pela natureza ou pelas circunstâncias. O preconceituoso, claro, nega enfaticamente que pense ou que se comporte dessa maneira. O brasileiro se considera um povo “cordial”. Mas é?! Ora, ora, ora. Para que um dia seja é que, justamente, foi criado este “Dia da Consciência Negra”. Oxalá em futuro não muito distante, se possível amanhã, se torne, de fato.  

Encerro estas reflexões de hoje com os seguintes trechos do texto com que as abri, por julgá-los pertinentes e apropriados para a data:

“Nós, escritores, temos a obrigação de “sacudir” as populações adormecidas, ou entorpecidas, ou anestesiadas, para que acordem, e se não quisermos fazer isso por nobreza, façamo-lo por egoísmo. Afinal, de que valerão nosso talento, nossa cultura, nossa facilidade de comunicação, enfim, nossa escrita, se a humanidade retroagir à barbárie? Se isso acontecer, não haverá indústria de tipo algum, muito menos a gráfica. Não haverá editoras para publicar nossos livros. E pior, não haverá leitores, pois cada qual estará empenhado em conquistar sua porção diária de comida (que será escassíssima, quase nenhuma) e de água potável (muito mais escassa ainda) para sobreviver. Ler, nessas circunstâncias, será, certamente, a última coisa que as pessoas irão pensar em fazer. E escrever, convenhamos, não será nenhuma prioridade para nós. Sem leitores... a existência da nossa função será rigorosamente supérflua”. Pensem nisso.

Boa leitura.

O Editor.

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2 comentários:

  1. Largar o preconceito é uma ação civilizatória primordial.

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  2. “Nós, escritores, temos a obrigação de “sacudir” as populações adormecidas, ou entorpecidas, ou anestesiadas, para que acordem, e se não quisermos fazer isso por nobreza, façamo-lo por egoísmo. Afinal, de que valerão nosso talento, nossa cultura, nossa facilidade de comunicação, enfim, nossa escrita, se a humanidade retroagir à barbárie?"
    Bravo, Pedro. Esse teu parágrafo é um programa de ação, de trabalho, e ideal de literatura. .

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