quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Viver filosofando


O eminente filósofo, físico e matemático francês, René Descartes, afirmou que “viver sem filosofar é o que se chama ter os olhos fechados sem nunca os haver tentado abrir”. Muitos viveram, vivem e viverão sem exercitar isso que o homem tem de mais nobre e característico: o raciocínio. Eles vêm e vão, nascem e morrem ás pencas, hoje aos bilhões e em pouco tempo ninguém fica e nem ficará sequer sabendo que existiram, nem mesmo seus descendentes diretos, ou seja, os netos de seus netos, por exemplo. E nem importa sua condição social ou fortuna. São esquecidos por completo e tudo o que foram e fizeram se perde para sempre, caso não hajam contribuído em nada para a ampliação do acervo do conhecimento humano. Muitos, até mesmo contribuindo para tal, caem também no esquecimento. Ser lembrado após a morte é importante? Para a imensa maioria, não. Isso sequer lhes passa pela cabeça. Já para alguns...

Presumo que todos “filosofemos”, posto que não o tempo todo e não como fazem os que se especializam em Filosofia, com seus métodos, disciplina e jargões. Mesmo o mais insano dos insanos algum dia já se perguntou, mesmo não revelando essa indagação para ninguém, quem é, de onde veio, onde está e para onde vai. Pode nem ter formulado as perguntas com um mínimo de coerência. Mas provavelmente (ou certamente?) as formulou, posto que atabalhoadamente. Não seria humano se nunca houvesse pensado nisso. Se tiver espírito filosófico (mesmo sem ter a mais remota e elementar noção de Filosofia), jamais chegará a conclusões definitivas. De cada resposta que obtiver emergirão centenas, milhares, quiçá milhões de perguntas. Afinal, o papel da Filosofia não é o de obter certezas, mas conviver com dúvidas. Os que se aferram a explicações (próprias ou alheias) que considerem “verdades”, embora não o sendo, e que não admitem discussões a respeito, fazendo delas dogmas indiscutíveis, não têm sequer resquícios de “espírito filosófico”.

A propósito de René Descartes, cabem, aqui, algumas informações que não são importantes (não farão, por exemplo, baixar a cotação do dólar), mas não deixam de ser curiosas. Seu nome verdadeiro não era este, com o qual se consagrou e passou para a história como o “Pai da Filosofia Moderna” (também é tido como o “Pai da Matemática Moderna”). Era Renatus Cartesius – daí seu método ser conhecido como “cartesiano”. Descartes é o nome da cidade francesa em que nasceu (batizada assim em sua homenagem e não o contrário), em 31 de março de 1596. Morreu, em Estocolmo, na Suécia, pouco mais de um mês antes de completar 54 anos, em 11 de fevereiro de 1650. Viveu, portanto, com “os pés” em dois séculos: nos XVI e XVII. Não se sabe quando e por qual razão adotou esse pseudônimo. Já René é a tradução para o francês do seu nome latino Renatus (“renascido”). Mesmo tratando-se de conhecimento inútil, sem ínfimo sentido prático, como se vê, ele nunca é demais. Afinal, como diz o povão em sua rústica sabedoria, “saber não ocupa lugar”.

Os primeiros filósofos ocidentais (dos conhecidos, pois muitos e muitos, por circunstâncias várias, acabaram esquecidos para sempre), os da Grécia antiga, empenharam-se em buscar explicações mais racionais, realistas e plausíveis para as quatro indagações originais (até hoje não respondidas de forma incontestável) do que as mitologias, ou seja, as religiões, que na verdade não explicavam nada. A imensa maioria de suas idéias e proposições, porém, perdeu-se no tempo, sobretudo em conseqüência de guerras, responsáveis pela destruição das então raras bibliotecas em que estavam depositados seus escritos. O pouco que restou deve-se a Aristóteles, que os preservou, mesmo que não integralmente. Esses pensadores da remotíssima Antiguidade Clássica são conhecidos como “filósofos da natureza”. Foram os construtores dos alicerces desse edifício que não para de crescer que hoje chamamos de “Ciências”. Sem eles, continuaríamos acreditando piamente apenas em mitos, muitos dos quais absurdíssimos. Não teríamos, por conseqüência, toda essa tecnologia que nos assombra e torna nossa vida mais longa, mais fácil, posto que talvez não melhor. Mas...

Refiro-me aqui, e em toda a série de comentários abordando alguns aspectos da História da Filosofia, aos filósofos ocidentais, notadamente os gregos. Fascina-me o pensamento filosófico oriental – chinês, indiano, japonês etc.etc.etc. – do qual, todavia, temos ao nosso dispor menos fragmentos ainda do que dos que atuavam na Grécia antiga. O leitor perspicaz certamente notará que me desviei do tema central desta série, que são comentários sobre a obra-prima de Jostein Gaarder, “O mundo de Sofia”. Esse desvio, contudo, se faz necessário para melhor entendimento das lições do escritor norueguês. É uma tentativa que faço (talvez frustrada) de imitá-lo em seu livro: ou seja, de ser o mais didático possível num tema que para muitos não passa de intrincado enigma, de confusa e obscura charada que não conseguem compreender.

Boa leitura.


O Editor.

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