sexta-feira, 27 de novembro de 2015

A carteira



* Por Rodrigo Ramazzini


Mara era arrumadeira de quarto. Trabalhava em um movimentado motel da cidade. Sua obrigação era, assim que recebesse o sinal do pessoal da portaria, correr até o quarto desocupado e arrumá-lo no menor tempo possível, pois sempre havia novos clientes à espera.

Era solteira, sem filhos e morava com a mãe. Sua rotina era ir de “casa para o trabalho” e vice-versa. Nos finais de semana, acompanhava sua mãe nas missas de domingo e, em uma noite por mês, mesmo com o orçamento apertado, dava-se ao luxo de ir a uma casa noturna que tocava pagode.

Como arrumadeira, dentre a limpeza e a organização de um quarto e outro, como é de se esperar, Mara encontrava vários pertences deixado por apressados clientes. Objetos que variavam de cuecas personalizadas a celulares. Pois bem, e naquela chuvosa noite de sexta-feira, dia de maior movimento no motel, não foi diferente.

O seu turno de trabalho acabara de iniciar, e logo no primeiro quarto, ela encontrou uma carteira. Dificilmente achava carteiras. Estava no chão, embaixo da cama. Foi abri-la, mas ao notar que era uma carteira masculina, pensou: “Os homens costumam pagar o motel. Daqui a pouco o pessoal da portaria telefona e vou ter que correr para devolver”. Desistiu de mexer na carteira. Colocou-a no bolso do uniforme e continuou, com a pressa habitual, a arrumar o quarto.

A agitação noturna a fez esquecer a tal da carteira. Voltou a pegá-la no final do turno de trabalho, quando já trocava o uniforme. Analisou-a por alguns instantes e, tomada pela curiosidade, discretamente, abriu a parte onde ficava o dinheiro.

Abriu e a fechou rapidamente. Pelo simples passar do dedo nas notas, contabilizou, por cima, mais ou menos quinhentos reais. Quase o salário de um mês inteiro. “E agora?” – indagou-se. Entregava a carteira e se ninguém viesse buscar, como acontecia com quase tudo que era encontrado no motel, o proprietário ficaria (de novo) com todo o dinheiro sem lhe dar um real. Ou levava-a embora, afinal, ninguém sabia da sua existência. Ventilou, também, a hipótese de entregar a carteira sem o dinheiro, mas logo desistiu, pois se o dono, por acaso, aparecesse e dissesse que havia dinheiro nela, seria a sua palavra contra a de um cliente. Tinha que escolher entre as duas opções.

O tempo para pensar foi pouco, pois o seu chefe a chamava. Justamente naquele mês, as contas tinham apertado em casa, e aquele dinheiro parecia ter caído do céu. Porém, a consciência a alertava, pois sempre fora uma pessoa correta. “O que eu faço?” –  questionou-se pela última vez, já ouvindo os gritos de “Mara, Mara” do chefe. Fechou os olhos, deixou escapar um “meu Deus! O que estou fazendo?” e jogou a carteira dentro da bolsa.

No outro dia, já em casa, trancada no seu quarto, voltou a mexer na carteira. Foi então que sucessivas surpresas começaram a aparecer. Primeiro, a quantia em dinheiro. Não eram quinhentos reais, e sim, oitocentos e cinqüenta reais. Não hesitou em abrir um sorriso após a contagem e pensar com alívio, apesar da origem do dinheiro, que todas as suas contas estariam pagas naquele mês. Porém, assim que mexeu nos documentos que também estavam na carteira, e identificou o dono, o ar risonho se desfez, e balbuciou: “Eu não acredito!”. A carteira pertencia ao Zecão, o seu último namorado.

Fazia dois anos que ela e o Zecão haviam acabado o namoro, por causa de uma traição dele. E por ironia do destino, Mara havia se tornado amiga da atual namorada do Zecão, a Milena, que sabia do envolvimento dos dois no passado, mas não dava muita importância ao fato.

Falando sozinha, Mara quebrava o silêncio do quarto, repetindo: “Eu não acredito que o Zecão está fazendo isso com ela! Eu não acredito que está traindo ela!” Inconformada, em um impulso, pegou a sua bolsa, colocou a carteira dentro, e rumou para a casa da Milena, pois sabia que, naquele horário, a amiga não poderia estar no motel porque estava em horário de serviço.

A residência da Milena ficava distante algumas quadras. Caminhando, durante o trajeto, a razão começou a agir nos pensamentos de Mara. Como poderia contar da traição? Que prova teria contra o Zecão? A carteira? Mas se entregasse a carteira, não poderia ela ser acusada de furto? Ainda mais que ela estava com dinheiro? Não estaria gerando uma prova contra si mesma?  E se não entregasse, apenas contasse que o Zecão estava no motel, a Milena acreditaria apenas na sua palavra? E como ela interpretaria esse ato?

Um ciúme tardio para tentar afastá-los? Mesmo sem respostas para as suas indagações, Mara chega à casa de Milena.

Foi recebida pela própria, que lhe abre a porta, aos prantos de choro e agradecimentos por estar ali. Mara sem saber o que estava acontecendo, faz a amiga sentar-se e serve-lhe uma água com açúcar. Então, Milena começa a narrar o ocorrido. “Ai, amiga! Aconteceu é que... Eu... Eu passei no banco e retirei todo o meu pagamento do mês e... E dei para o Zecão guardar para mim... Só que... Só que ele perdeu a carteira! Não sabe onde... Com o meu salário todo dentro!  Estou perdida! Como vou pagar as contas? O que eu faço agora, Mara?”

Mara também fica nervosa. Entregar ou não entregar a carteira, eis a questão com os seus respectivos efeitos. Assistindo a amiga daquele jeito, ela não titubeia, coloca a mão dentro da sua bolsa, pega a carteira, e de olhos fechados, entrega a Milena.

Milena ao ver a carteira abre um enorme sorriso, dá um tapa na testa e condena-se: “Putz! Como eu não me lembrei do motel! Graças a Deus!” Disse isso e pulou em direção à amiga, abraçando-a, em agradecimento.

Naquele dia, Milena e o Zecão estavam fazendo aniversário de namoro. Para homenageá-la, o Zecão ligou para uma rádio que premiava a declaração de amor mais bonita com uma noite em um motel. E ele ganhou! Então, passou no trabalho da Milena, que explicou ao seu chefe sobre a data e ele lhe concedeu uma folga. Foram a um restaurante e depois ao motel.

Assim que Milena terminou de narrar à história, aliviada, Mara respirou fundo e pediu um copo de água à amiga...


* Jornalista e contista gaúcho

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