segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Medo maior


* Por Daniel Santos


Da primeira vez que perdeu o controle, sentiu uma força assustadora injetar fúria no sangue e nos músculos – uma força que incitava à destruição. Mas, antes de se alterar por completo, a mulher escapuliu.

Sim, conseguiu se safar, mas com grande dificuldade, e a rigor ignora até hoje como se esquivou daquela ordem irracional que propunha a ruína, e não apenas de si mesma, mas igualmente dos seus!

Pois acabara de chegar do trabalho cheia de contas a pagar, o cachorro urinando na sala, o sapato mordendo-lhe o calcanhar e os filhos (ah, os dois pestinhas!) esgoelando-se até enlouquecê-la de verdade.

Também ela gritou e gritou que se calassem. Aí, o berreiro aumentou, enquanto a janta queimava no fogão, o cachorro rosnava feito um insano e os garotos puxavam-lhe a saia até enervá-la ao máximo.

A raiva evoluiu à fúria ... e ela desejou intensamente atirar as crianças pela janela. Morressem, ela teria paz, enfim. Mas trancou-se a tempo no banheiro para chorar. Chorar de medo de si mesma.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.
  

Um comentário: