segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Sobre a avareza e os avarentos


* Por Mouzar Benedito


Pão-duro, fominha, filárgiro, munheca, mão de vaca, ridico (corruptela de ridículo), vinagre, casca, socranca, somítico, gaveteiro, sovina, forra-gaitas, muquirana, mofino, agarrado, usureiro, morrinha, avarento, avaro, cobiçoso, unha de fome, miserável, mão fechada, mesquinho, sórdido, munheca de samambaia, sovelão, resmelengo, muxiba, fuinha, morto de fome, tacanho, sovina, unhaca, tranca, mão-de-vaca… São muitos os sinônimos que identificam as pessoas obcecadas por acumular dinheiro.

Pensei neles ao assistir a um programa de TV chamado “Os muquiranas”, num canal por assinatura. É produzido nos Estados Unidos, e dedica um programa inteiro a um personagem, para mostrar como ele economiza tudo o que pode, e se orgulha disso. Entre os programas que vi, horrorizado, um foi de uma moça que nunca comprava comida, ia ao lixo dos supermercados e pegava tudo o que jogavam fora. Ela disse que os funcionários dos supermercados não gostam, mas ela se vestia de mendiga, com trapos sujos, e aí eles não ligavam. Vi no programa que ela havia convidado o casal para jantar e por isso precisava pegar bastante comida no lixo. Eram não só alimentos com data vencida, mas também frutas, legumes e verduras estragados, de que podia aproveitar parte. Vestiu-se de mendiga e foi catar tudo entre as coisas jogadas fora por um supermercado. Não precisava disso, tinha dinheiro, mas contava que assim economizava não sei quantos dólares por mês.

Nos casos que vi, havia um sujeito que, depois de usar o fio dental, o lavava e punha para secar, para usar de novo. Lá usa-se muito levar roupas para lavar em lavanderias, em que se coloca uma moeda numa máquina e ela faz o serviço. Um pão-duro desses ia para essas lavanderias, via as pessoas que não levavam roupas suficientes para encher uma máquina e pedia para colocar as suas com as delas. “Assim, economizo dois dólares”, dizia.

Conheci muitos do tipo, e acho que todo mundo conhece.

Já publiquei, antes de conhecer esse programa televisivo, uma crônica numa revista, sobre isso, com o título “A alegria dos herdeiros”. Lembrei-me de alguns casos, mas não vou me ater a eles aqui.

Meu interesse é tornar público o “capital” de frases e ditados sobre o assunto, que acumulei durante um bom tempo. Porém, acho que, antes das frases vale contar umas historinhas bem resumidas:

1.

Na minha infância, praticamente todas as casas da cidade tinham fruteiras no quintal, e seus donos deixavam apanhar frutas nelas. Muito poucos “ridicavam”, mas aí tínhamos um prazer especial em roubar frutas deles.

Lembro-me de um que tinha várias laranjeiras que ficavam carregadas de frutas maduras e boa parte delas apodreceriam sem ser consumidas, mas ele não dava a ninguém. De vez em quando algum menino se arriscava a pedir autorização para apanhar laranjas e o diálogo era sempre o mesmo:

— Seu Fulano, tem muita laranja madura no seu quintal…

— Dois cruzeiros a dúzia — respondia ele antes que o menino pedisse.

2.

Quando cheguei em São Paulo, fui morar numa pensão que tinha nos fundos um terreno com jeitão de abandonado, cheio de pés de mamona, com um barraco no meio. Nele, morava um velho carroceiro, seu Pepino. Vivia sujo e maltrapilho, não tinha água corrente no barraco e nem vaso sanitário. Fazia as “necessidades” atrás dos pés de mamona. Um dia o vi chegando todo feliz porque ganhou um par de sapatos usados já bem velhos, mas que ele achava que estavam bem bons ainda. Perguntei sobre ele aos donos da pensão (que era num casarão bem grande na rua Lisboa, bairro de Pinheiros). Aí fiquei sabendo que a casa da pensão era desse velho, que tinha também umas dez casas alugadas na rua dos Pinheiros e o prédio onde funcionava uma padaria, hoje é uma farmácia, na esquina da rua Teodoro Sampaio com a Henrique Schaumann. Recebia uma nota braba por mês em aluguéis.

3.

Nessa pensão, um rapaz chamado Justino nunca pegava ônibus para ir ao centro da cidade. Ia sempre de bonde, que era um pouquinho mais barato. E o ônibus era barato na época. Para completar, só atravessava a roleta na hora de descer, pois quando havia algum carro quebrado ou acidentado em cima dos trilhos, o motorneiro — “motorista” daquele tipo de veículo — abria as portas para todo mundo descer, porque às vezes demorava para tirarem o carro que impedia que o bonde continuasse a viagem. Assim, quem não tinha passado pela roleta descia sem pagar a passagem. Quando faltava um quilômetro para chegar no ponto em que ia descer, o Justino ficava torcendo para que houvesse algum carro quebrado nos trilhos. E ele era bem de vida, ganhava muito bem. Morava na pensão, com várias pessoas num quarto, por puro pão-durismo.

4.

Ainda São Paulo, numa república de amigos, tinha um sujeito com mania de inglês que tomava chá todos os dias às 5h da tarde. Só que era mate, que ele comprava e mantinha num armário trancado, não dava chá a ninguém. E pior, procurava sempre não pagar a sua parte das despesas da república. Um dia comprou um rádio, mas quando ia trabalhar levava o fio dele, pra ninguém ouvir. Até que um dia o proibiram ouvir o rádio também: “O rádio é seu, mas a luz nós todos pagamos”. Mereceu.

5.

No interior paulista, conheci uma mulher riquíssima que lavava, secava e reutilizava coadores de café, de papel teoricamente não reutilizável.

6.

Um dos homens mais ricos de uma cidade do interior mineiro gostava muito de ler jornal, mas sempre lia o do dia anterior, que alguém lhe dava de graça. E soube-se que ele andou “pegando uma boia” em instituições que davam comida para pobres.

7.

Falando em jornal, um colega de trabalho de escritório me esperava ansioso, todos os dias, para ler o jornal que eu comprava. Comecei a ficar invocado, perguntei porque ele não comprava. A resposta foi que o jornal só falava mentiras. Mas lia o que eu comprava. Um tempo depois, eu soube que ele não tinha despertador em casa (naquela época um despertador custava um pouquinho mais do que hoje, mas não era caro). Contou que ele se levantava todos os dias às 6h da manhã. Um vizinho que saía de casa nesse horário para trabalhar tocava a campainha e ele se levantava. Fiquei pasmo, perguntei o que acontecia quando o vizinho ficava doente ou saía de férias. Não respondeu, ficou resmungando sobre pessoas que desperdiçam dinheiro.

8.

Enfim, não estranho quando vejo notícias de prefeitos ricos canalhas que colocam a mulher e os filhos na bolsa família, pra ganhar um dinheiro que deveria ir para famílias pobres. São pessoas desprezíveis, ridículas mesmo.

Algumas considerações

A palavra avaro origina-se do latim, e significa ávido por cobre.

Pão-duro é de origem carioca: um homem que mendigava e suplicava às pessoas que lhe dessem qualquer coisa, mesmo que fosse um pedacinho de pão duro, e por isso pegou o apelido de Pão-Duro. Quando ele morreu, descobriu-se que ele era bastante rico, tinha muito dinheiro em depósitos bancários e várias casas de aluguel nos subúrbios do Rio. Amaral Gurgel escreveu uma peça que teve muito sucesso inspirada nele, e o personagem Pão-Duro foi representado por Procópio Ferreira.

Mas muito antes disso já existia um provérbio espanhol que diz: “A pão duro, dente agudo”, e Miguel de Cervantes usou um personagem chamado Panduro, no “Entremez da Eleição dos Alcaides de Daganzo”.

A palavra pleonexia, em grego, significa o desejo exagerado de ter riquezas. Jesus teria falado aos seus apóstolos sobre a presunção do avarento de que as pessoas e as coisas, tudo e todos, enfim, existem para o benefício dele. Os textos escritos pelos apóstolos foram traduzidos para o grego e para o latim. Na tradução dessa fala para o grego, o termo usado para a avareza foi esse, pleonexia.


* Jornalista

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