domingo, 29 de novembro de 2015

O fim do Zé Índio


* Por Sílvio Lancellotti


José Raimundo, o Zé Índio, alagoano fugido de vários crimes na sua juventude entre os jagunços da sua terra, lhe servia como porteiro já fazia três anos. Porteiro, limpador do cocô e do xixi dos seus cachorros, manobrista dos carros da sua ruazinha, um acompanhante eventual do filho nas baladas dos sábados à noite. Era rústico, mas era confiável, apesar da ficha longa que o seu patrão havia levantado na polícia. A princípio, o patrão imaginou que não seria legítimo empregar alguém tão complicado no passado. Tratava-se, porém, de um passado melífluo. Zé Indio ostentava apenas vinte anos, uma índole dócil, um sorriso cativante, e lhe confessara os seus dilemas: nas suas plagas, não dispunha de alternativa: obedecia ao coronelato, ou morria.

Optara por sobreviver – e fugira no rumo da megalometrópole. Vagara como vagabundo de rua, até que o patrão, penalizado, o acolhera. Tinha se transformado em um outro tipo de assecla, agora brando, solícito, gentil. Tanto que, sem saber que atravessaria um teste sutil de caráter e de fidelidade, quando o patrão lhe propôs uma missão bem diferente do convencional, a de assustar um rapazote que assediava a sua pimpolha caçula, se recusou: “Eu não faço mais isso, não, doutor. Agora, eu sou um homem só do bem”.

O patrão gostou da resposta. Até mesmo aumentou o salário do Zé Índio e lhe permitiu que dormisse na sua garagem, numa cama de armar, que usasse o banheiro da edícula, para se banhar. Comprou-lhe até roupas novas, pagou a auto-escola para que o alagoano tirasse a sua carta de motorista. Registrou, inclusive, o seu documento de trabalho. Transcorreu, então, uma convivência confortável entre o chefe e o funcionário oficial – até que, certa noite, um dos vizinhos do patrão o alertou: soubera que o Zé Índio cobrava pedágio das prostitutas do bairro, recebia uma comissão por cada transa das garotas.

Convidou o funcionário a comer uma pizza num restaurante da região. Permitiu-lhe que tomasse dois chopes. E tentou arrancar dele a verdade. Pela hesitação do Zé Índio, imediatamente intuiu que o alagoano escondia o real. Advertiu-o para o perigo que corria, se envolver com gente ruim. Zé Indio abaixou a cabeça e acenou que entendia. Tarde demais. Numa manhã de domingo, ao sair para o seu passeio tradicional com os seus cães, o patrão deparou com o corpo do Zé Índio, ensangüentado, num canto do seu muro. Recebera dois tiros pelas costas, certamente de um cafetão incomodado.
       
A polícia não conseguiu descobrir quem o matara. Mas, afortunadamente, por um longo tempo, as prostitutas desapareceram dos seus arredores...

* Diplomou-se em Arquitetura. Trabalhou na revista “Veja” de 1967 até 1976, onde se tornou editor de “Artes & Espetáculos”. Passou por “Vogue”, agências de publicidade, foi redator-chefe de “Istoé”, colunista da “Folha” e do “Estadão”, fez programas de gastronomia em várias emissoras de TV, virou comentarista de esportes da Band, Manchete e Record, até se fixar, em 2003, na ESPN. Trabalha, além da ESPN, na Reuters, na “Flash”, no portal Ig e na “Viva São Paulo” e é sócio da filha e do genro na Lancellotti Pizza Delivery – site de Internet www.lancellotti.com.br.
  

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